Nadando no escuro do Tomasz Jedrowski (Astral Cultural, 2024) é um romance onde acompanhamos o florescer de uma paixão entre dois garotos. A história se passa nos anos 80 em um período conturbado da história da Polônia com o início do declínio do partido comunista. O autor utiliza do cenário de tensão, repressão e conservadorismo para fazer um contraponto com a realidade que muitos homens enfrentam ao se descobrirem como homossexuais e que os jovens, como um todo, enfrentam ao ter seu desejo de liberdade e exploração do mundo negado. É um relato tocante sobre a sede da juventude por liberdade e como amor e sexualidade também são atos políticos.
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Na escrita de Jedrowski, conseguimos adentrar em um clima que desenha muito bem a Polônia do pós-guerra e as formas como o país precisou se redesenhar por conta do regime. A narrativa é contida e nos obriga a ler como se tudo fosse um sussurro. É como se estivéssemos sempre com a sensação de alguém espiando atrás de uma porta. Sendo assim, o grande mote da obra está nas entrelinhas, nas sutilezas, em tudo aquilo que é dito através de sensações.
Enquanto os jovens que passeiam pela trama experimentam algumas migalhas de notícias, músicas e filmes que atravessam as fronteiras de seu país, acompanhamos Ludwik e Janusz se apaixonando e vivendo um romance que também precisa ficar contido e não pode ultrapassar certas fronteiras. Após participarem de um acampamento agrícola, os dois decidem esticar mais um pouco as férias de verão e passam algumas semanas à beira de um lago isolado, dormindo em uma barraca, pescando e se entregando aos próprios desejos. Eles experimentam a liberdade de ser quem são, mas com data para terminar.
- Não existe uma lei que proíbe o que estamos fazendo.
- Eu sei disso. – Sua voz se suavizou. – Mas nós precisamos agir como se existisse. Sabe o que fizeram com Foucault?
“Nadando no escuro” conversa de perto com uma obra emblemática da literatura universal, que é “O quarto de Giovanni do James Baldwin. Ludwik consegue acessar um exemplar do livro, o qual ele precisou arrancar a capa e colar outra por cima por se tratar de um livro proibido. “O quarto de Giovanni”, que ele compartilha com Janusz posteriormente, se torna um segredo a dois.
Naquela noite, tirei O quarto de Giovanni das reentrâncias mais profundas da minha mala e comecei a ler à luz de uma lanterna depois de os outros terem dormido. O livro me assustou e me reconfortou – mesmo estando apenas nas primeiras páginas. A culpa do narrador em relação à noiva, seu desejo por Giovanni e o arrependimento profundo por seja lá o que tenha feito com ele. Havia algo no ritmo, na linguagem, nos fatos implícitos e na sensação de ruína interna que dialogava diretamente comigo.
Como a história se passa em um contexto de conservadorismo e repressão, onde para um cidadão ser considerado transgressor bastava muito pouco, o afeto e a sexualidade aparecem como ponto focal para tratar de temas como liberdade e identidade. Existe a fronteira de um país fechado e existem corpos que também estão fechados em si. Se por um lado temos dois jovens impedidos de viver livremente o amor por conta da demonização da homoafetividade, por outro lado temos também um dilema universal, que é a castração dos desejos tão inerentes à juventude.
Ludwik, o narrador da história, é um jovem sonhador e com ideais de liberdade. Ele cresceu junto de sua mãe e sua avó ouvindo notícias sobre o contexto político da Polônia através de uma rádio clandestina escondidos no quarto. Com isso, ele estabeleceu uma outra vivência com o partido. Seu olhar estava atento a todas as privações que o povo enfrentava, apesar do silêncio que imperava. Para Ludwik existiam dois caminhos, lutar ou partir.
Janusz estabeleceu uma outra relação com a realidade. Para ele era mais fácil se moldar ao que estava imposto e arrumar formas de viver bem apesar de tudo. Ele não acreditava em uma mudança e assim acaba por até colaborar com o partido comunista. Ele consegue um cargo em um departamento do governo como censor de livros. Precisava identificar qualquer tipo de provocação ou propaganda contra o regime. Ironicamente, falamos do mesmo Janusz que lia “O quarto de Giovanni” às escondidas. Para Janusz ir embora não era uma opção. Ele acreditava que seu país era sua casa.
A narrativa de “Nadando no escuro” em primeira pessoa e estruturada como se fosse uma carta de Ludwik para Janusz de um futuro próximo, nos aproxima muito de Ludwik. Podemos sentir fortemente seus dilemas, suas angústias, seu amor e principalmente sua solidão. Apesar do contexto político que é muito importante para a narrativa, o livro não é sobre política, mas sim sobre a descoberta do amor.