A contagem dos sonhos de Chimamanda Adichie (Companhia das Letras, 2025) é um romance que chegou às mãos dos leitores, após dez anos da publicação de “Meio sol amarelo”. Havia uma grande expectativa com a obra e acredito que os leitores, já cativados pela escrita de Chimamanda, sairão satisfeitos com o que vão encontrar. Na trama acompanhamos as histórias de quatro mulheres negras, de classes sociais diversas e com sonhos particulares, mas que se veem unidas por uma teia de acontecimentos.
A obra que tem como ponto de partida o período de isolamento social que vivemos com a pandemia, irá se desdobrar por uma infinidade de outras temáticas que pareciam ser impossíveis abranger em uma obra só, mas que Chimamanda consegue fazer com fluidez. Por trás de vivências universais relacionadas ao amor, trabalho e família, encontramos um recorte que nos leva a pensar sobre os impactos da tradição, da cultura, da imigração e da construção da identidade cultural.
Na história conhecemos Chiamaka, Zikora, Kadiatou e Omelogor, quatro mulheres que estabelecem uma amizade inusitada e que tem Chiamaka como o fio que as conectam. No capítulo de Chiamaka, vemos uma mulher bem sucedida financeiramente, uma nigeriana que mora nos EUA e que tem a oportunidade de rodar o mundo como escritora de viagens e turismo. Chia passa o capítulo relembrando suas péssimas escolhas amorosas, assim como os desafios que encontra em sua carreira, pois seus sonhos subvertem o lugar reservado às mulheres negras pelo senso comum.
Zikora, que talvez seja a mais tradicional das amigas, também possui uma vida bem estruturada atuando como advogada. Apesar de todas as conquistas materiais, vive assombrada pelo medo de não conseguir um casamento e um filho. A maternidade é uma obsessão para Zikora, o que ganha contornos ainda mais graves através da pressão familiar apoiada nas tradições de seu país. Em seu capítulo, chama a atenção a questão da maternidade e também do abandono.
No capítulo de Kadiatou, temos a luta de uma mulher de origem humilde, que após passar por muitas privações, parte para os EUA para encontrar com o grande amor da juventude acreditando na promessa de uma vida melhor. Kadiatou conhece Chiamaka e se torna uma espécie de governanta em sua casa, além de trabalhar como camareira em um grande hotel. Neste mesmo hotel, a personagem sofre agressão sexual de um hóspede de luxo, o que se tornará um grande problema para sua vida e irá escancarar a forma como as mulheres ainda são frágeis perante as leis. Para a história de Kadiatou, Chimamanda se inspirou na história real da Nafitassou Diallo, imigrante guineense que em maio de 2011 acusou Dominique Strauss-Kahn, diretor do Fundo Monetário Internacional - de agressão sexual.
Por fim, conhecemos Omelogor, a mais “pé no chão” e cerebral das amigas. Omelogor é uma mulher prática e objetiva, que com bastante esforço conseguiu um cargo bem posicionado como financista no banco em que trabalha. Para provar seu valor e sua capacidade, ela aprendeu a dizer as coisas que os poderosos queriam ouvir e a passar por cima da própria ética em busca de sucesso profissional. Quando se vê satisfeita com sua posição, uma frase proferida por sua tia, que sugeria que Omelogor fingia estar satisfeita com a própria vida, a mesma entra em um estado de paranoia e começa a refletir sobre sua própria identidade e alienação no trabalho.
Olhando para a histórias de Chiamaka, Zikora, Kadiatou e Omelogor vemos o retrato de uma realidade que assola as mulheres em diversas culturas, não só a africana, mas que com elas ganham um recorte cultural e racial. As mulheres buscam um lugar no mundo, enquanto precisam lidar com tradições que vigoram na religião, na família e no Estado e que colocam em risco suas liberdades.
“A contagem dos sonhos” é um livro que combate estereótipos ao mesmo tempo que nos leva a olhar para realidades distintas e refletir sobre o que são nossos sonhos genuínos, e o que são os sonhos impostos pela cultura e as convenções sociais. A leitura nos deixa muitas perguntas sobre o estado dos amores na contemporaneidade e se é possível amar de forma verdadeira sem abrir mão de quem somos e do queremos verdadeiramente.