Seca, bebe sangue a terra do Patrick Torres (Editora Astral Cultural, 2025) é um romance com uma escrita intensa e imersiva. O autor nos carrega pela caatinga, pelo Saleiro e pela intimidade de personagens muito bem construídos. É uma obra em que mergulhamos na dureza e na poética do sertão, onde a luta, a fé e a resistência de um povo são o mote principal. A seca e a caatinga se tornam personagens cheios de nuances e se apresentam como símbolos de uma história de amor cheia de desafios.
Acompanhamos o passar dos dias de Darian e Matias, dois garotos que conhecem a região do Saleiro como a palma da mão e que vivem correndo pela caatinga caçando rolinhas. Caçar rolinhas é passatempo e também uma forma de incrementar o almoço do dia. Entre idas e vindas pelo sertão afora, os garotos vão descobrir que o que sentem um pelo outro é mais do que amizade e o próprio sertão se torna cúmplice e refúgio de suas descobertas.
A crença em uma santa que ainda nem existia, servirá de ponto de partida para reflexões importantes sobre como funciona a dinâmica de dominação de um povo, apenas por uma promessa e uma ideia, que em certa parte da obra o narrador sacramenta ao dizer que “aos convencidos qualquer evidência basta”.
Aos poucos, o povoado vai se transformando e o padre, a igreja, a santa e a religião vão se tornando uma espécie de lei. O autor consegue construir de forma gradual o processo de adoecimento dos fiéis e a forma como o fanatismo religioso e a violência se tornam coisas indissociáveis. A relação de Darian e Matias que já era consciente da necessidade de se manter em sigilo, ganhara mais um motivador para seu total enclausuramento.
Com presença marcante de elementos da oralidade, Patrick Torres utiliza da força de palavras como terra, sangue e seca, para discutir sobre a condição humana. A relação do homem com a terra, com sua própria natureza e individualidade, também aparecem em metáforas cortantes sobre resistência e sobrevivência. O autor chega como uma voz importante, criativa e jovem da literatura regional contemporânea e se soma a certeza de que o sertão e a caatinga têm muitas histórias para contar.
Acompanhamos o passar dos dias de Darian e Matias, dois garotos que conhecem a região do Saleiro como a palma da mão e que vivem correndo pela caatinga caçando rolinhas. Caçar rolinhas é passatempo e também uma forma de incrementar o almoço do dia. Entre idas e vindas pelo sertão afora, os garotos vão descobrir que o que sentem um pelo outro é mais do que amizade e o próprio sertão se torna cúmplice e refúgio de suas descobertas.
Os dois funcionavam assim, pareciam roda de capoeira. Era uma brincadeira, um bom humor, uma alegria nas conversas, um ataca-defende sem ofensa, um desvia-bate sem causar dor; um jeito de existir fiel, em que o prazer estava, sobretudo, na companhia. O xingo ali se disfarçava de amor.
Patrick Torres entrega seu segundo romance e chama atenção pelo amadurecimento do texto. Toda a destreza que já havia apresentado como contador de histórias em “O cozer das pedras, o roer dos ossos”, alcança um novo patamar. Ao trilhar os caminhos do sertão, nos transporta para um modo de experimentação textual que valoriza a cultura regional de quem vive na caatinga, através de construções sintáticas que remetem à fala sertaneja.
Viver é isto, e o vasto espectro da violência, dos altos e baixos e da bonança, da angústia, da concórdia e da discórdia, do saber ir e do conseguir voltar, são da naturalidade desta coisa que nos faz bichos-pensantes. É pecado dizer que o viver é a caatinga? Creio que não. O viver é a caatinga. Reafirmo: o viver é a caatinga! E só discorda quem vive fora dela ou a vivencia sem em sua piçarra esquentada mergulhar. E discorda porque desconhece. É neste lugar do tudo e do nada que habita o mistério paradoxal da terra seca que muito oferece. A caatinga é o começo, o meio e o começo.Em “Seca, bebe sangue a terra”, somos surpreendidos logo nas primeiras páginas por um acontecimento que irá redefinir toda a narrativa. Darian e Matias, que haviam saído mais uma vez para caçar rolinhas, terão os dias e a consciência abalados por algo improvável. Enquanto isso, um padre chega ao vilarejo anunciando uma grande revelação. Ele grita aos quatro ventos que o corpo de uma mulher irá aparecer pelas bandas do Saleiro. Ele afirma que a partir desse avistamento, a região irá viver tempos de glória, pois essa mulher é uma santa.
Desde que se tornaram um o buraco do outro, ainda adolescentes-homens, não podiam quebrar silêncios sobre si. Cresceram e brincavam nos lajeiros sob a redoma da confiança criada pelo tempo, cujo sigilo era garantido pelo silêncio de suas bocas em parceria com a ventania piadeira da caatinga. Eram toca, um tatu do outro, e se entre os dois havia o avessar-se, resguardado num lugar protegido, existia também, por outro lado, importante perigo: a paróquia.Enquanto Darian e Matias guardam dois grandes segredos, sendo um deles capaz de mudar completamente o rumo daquele vilarejo, suas vidas vão sendo impactadas por traumas, dores e silenciamentos, tendo como pano de fundo uma comunidade completamente adoecida pelo fanatismo religioso, de tal maneira a nos levar a questionar onde termina a crença e começa a loucura. O texto de Patrick Torres trabalha com grandes dualidades.
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