Ascensão de Stephen King (Editora Suma, 2019) é uma história gostosa de ler. É mais um exemplo da versatilidade do Stephen King com a escrita. O autor tanto consegue escrever grandes romances de quase mil páginas, como histórias mais curtas, como é o exemplo de Ascensão. Podemos arriscar dizer que Ascensão é como um conto e daria um ótimo episódio de The Twilight Zone. O projeto gráfico é muito charmoso e o início de cada capítulo conta com uma vinheta do ilustrador Mark Edward Geyer.


A história se passa, como é característico no universo do King, em uma pequena cidade chamada Castle Rock. Como toda cidade pequena temos a descrição do estilo de vida mais pautado no conservadorismo, na desconfiança de quem vem de fora, na Igreja como principal vínculo social e inclusive responsável por eventos, reuniões e comitês. Mas também temos a descrição da cidade com seu coreto principal, seu parque, a antiga lanchonete da Patsy e a tradicional Corrida do Peru que será um acontecimento muito importante para a trama.

É nesse cenário que vamos acompanhar a jornada das personagens. Scott Carey, nosso protagonista, é um homem de quase cinquenta anos, divorciado e que vive com seu gato numa mansão que fora escolhida por sua ex-esposa. Scott trabalha com criação de sites e portais para grandes empresas e corporações e quando a história começa ele está envolto em um grande projeto que mudará sua vida financeira para melhor. Ao mesmo tempo Scott está lidando com um grande mistério — algo que não se sabe se é científico, divino, mágico ou das enfermidades — Scott está perdendo peso de forma contínua e essa perda de peso só é perceptível através da balança, pois seu corpo não apresenta mudanças. Enquanto seu corpo continua com a aparência de um homem de mais de cem quilos, no início da história Scott relata uma perda de 30 quilos e baixando.

Havia limites ao que Scott tinha começado a pensar como sendo "o efeito da anulação do peso". Suas roupas não flutuavam do corpo. As cadeiras não levitavam quando ele sentava nelas, mas, se ele carregasse uma para o banheiro e subisse na balança com ela, o peso dela não era registrado. Se havia regras para o que estava acontecendo, ele não as entendia, e nem se importava...

Scott divide seu segredo com o amigo e médico aposentado, o Dr. Bob Ellis que fica ainda mais incrédulo ao descobrir que além disso o peso de Scott não varia de acordo com o que veste ou carrega. É como se Scott anulasse completamente o peso daquilo com que tem contato. Bob começa então uma campanha para convencer Scott a procurar ajuda profissional, apesar do mesmo temer uma vivência de internações e estudos diante de algo que a medicina não saberia explicar.

Através das vivências de Scott somos apresentados também às personagens Deirdre McComb e Melissa Donaldson. Elas são suas vizinhas, recém chegadas à cidade e donas de um restaurante especializado em comidas vegetarianas chamado Holy Frijole. Deirdre e Melissa são duas lésbicas casadas e esse fato faz com que elas enfrentem a homofobia de Castle Rock que acaba por colocar em risco o próprio estabelecimento comercial. O primeiro contato de Scott com o casal não é dos mais amigáveis e a partir daí é interessante como Stephen King vai traçando uma narrativa que expõe a burrice e hipocrisia que perpassa o pensamento homofóbico de uma cidade.

Na história a ascensão pode ser entendida tanto em seu sentido dicionarizado de ato ou efeito de ascender, ascendimento e elevação, como em seu caráter de mudança de paradigmas, revisão das próprias certezas, descoberta de novas formas de ser e estar no mundo. Entendo a perda de peso nessa narrativa e inclusive o fato curioso dessa perda não ter nada a ver com massa corporal, uma metáfora sobre a revisitação do próprio ser, o rompimento com "aquela velha opinião formada sobre tudo" e a percepção de que somos um sistema onde nossos atos influenciam na vida em grupo, na vivência em sociedade e futuro do Planeta.

Ascensão é um ótimo livro para ler despreocupadamente nas férias. Enquanto acompanhamos a espera de Scott Carey pelo que ele chama de "dia zero" e que nada mais poderá o prender ao chão, vamos aprendendo algumas lições sobre amizade, amor, respeito e sociedade. Stephen King é um criativo contador de histórias e a diversão é garantida a cada página lida que deixa um recadinho escondido ali no meios das letras — um convite a ascender.