O regresso à Vila dos Tecidos da Anne Jacobs (Editora Arqueiro, 2024) é o quarto volume de uma saga que acompanha a história da família Melzer através das gerações. A história central se passa em Augsbourgo, uma cidade no sul do estado alemão da Baviera. A família administra uma grande fábrica de tecidos e uma imponente mansão conhecida como “A vila dos tecidos”. Tanto a fábrica, como a mansão já viveram dias de glória, status que anda ameaçado por conta de uma crise econômica que assolou a Alemanha após a primeira guerra mundial.
A série mescla ficção com contexto histórico, portanto, no pano de fundo desse volume, veremos como acontecimentos como o fim da primeira guerra mundial, a transformação da Alemanha em uma república, a quebra da bolsa de Nova York, que gerou uma crise mundial e a ascensão do partido nazista impactará no futuro da Vila dos Tecidos.
O céu de Augsburgo estava coberto de nuvens cinza que pairavam sobre as torres e os telhados antigos. Elas pareciam ainda mais pesadas no lado leste, entre a cidade e o rio Wertach, um afluente do rio Lech, onde grandes indústrias haviam se instalado. As fábricas de tecidos, papel e máquinas tinham assegurado o bem-estar da cidade durante décadas. Mas agora essa era parecia ter chegado ao fim.
Desde o início da saga, a autora vai construindo nossa proximidade com cada um dos personagens. Conhecemos os moradores da Vila dos Tecidos, assim como os empregados que mantém a fábrica e a mansão. A cada volume, ficamos cada vez mais íntimos de cada um deles, de forma que passamos a traçar uma linha temporal que nos situa no espaço e no tempo, mas que também embasam as tomadas de decisões, pois temos acesso a pormenores de suas histórias de vida.
Anne Jacobs trabalha bem com a contextualização histórica e consegue demonstrar, através do crescimento e envelhecimento dos personagens, as principais mudanças sociais que transformaram a Alemanha e o mundo. Ainda que a história parta de um contexto onde as mulheres não podiam votar, não podiam estudar, que toda sua vida jurídica carecia do aval de um homem e que praticamente a única perspectiva de futuro estava no casamento e formação de uma família, temos sempre presente na narrativa a força que as mulheres exerciam nos “bastidores”.
Conforme os anos vão passando, a autora explora como as mulheres foram conquistando alguma emancipação através de coisas simbólicas, como por exemplo no aspecto da vestimenta e do corte de cabelo. As primeiras mulheres que ousaram cortar o cabelo curto, eram vistas como despudoras e perdidas.
Cada mulher da Vila dos Tecidos, a seu modo, consegue enfrentar a repressão de alguma maneira. Seja silenciosamente ou de forma mais aguerrida, elas vão demonstrando como são peças fundamentais para a estruturação da casa e da família, mas também para crescimento e manutenção de uma sociedade que seja funcional.
Marie, que era a grande protagonista do início da série, chega ao quarto volume mãe de três filhos e tendo que lidar com uma filha que não aceita ser moldada para o casamento. Sua filha é apaixonada pelos estudos e pela dinâmica de funcionamento das máquinas, mostrando-se assim, uma grande aposta para a modernização da fábrica de tecidos. Já Leo, filho mais velho de Marie e Paul e que deveria ser o sucessor do pai nos negócios, só consegue enxergar um futuro feliz a frente de um piano e fazendo música.
O florescer dos desejos da juventude, servem como uma grande metáfora da revolução que a sociedade enfrentou no pós-guerra. Para além disso, a autora descreve a convulsão social que acabou permitindo o início da ascensão do Partido Nazista e como Hitler foi se tornando uma figura imponente na política alemã.
- O que está acontecendo em nosso país neste momento é motivo de preocupações muito maiores - disse ele para Paul. - Como podemos ler nos cartazes do NSDAP, eles estão responsabilizando os judeus pela derrota na guerra, pelo desemprego e, é claro, pela crise econômica mundial. Dizem que se alguém quiser salvar a Alemanha, terá que combater os judeus. E esses provocadores mentirosos têm cada vez mais seguidores.
De forma gradual, a autora vai transformando protagonistas em coadjuvantes e dando voz a novas gerações. A cada novo personagem que nasce, nasce também uma outra forma de enxergar o mundo. Enquanto os mais velhos possuem uma verdadeira obsessão em preservar um estilo de vida que já não cabe mais, os jovens vão se mostrando abertos às mudanças sociais e enxergando um futuro que pode levá-los para bem longe da Vila dos Tecidos.
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