Hoje eu vi um pica-pau do Michał Skibiński (Baião, 2024) é um livro com uma proposta aparentemente simples, mas a história que relata, a forma como foi concebido, seu projeto gráfico e o contexto histórico que carrega, o elevam a outro patamar. Em 1939, durante as férias de verão, Michal recebeu a seguinte tarefa da escola: registrar a sua rotina com apenas uma frase por dia para treinar a caligrafia. O garoto de nove anos passou a registrar uma rotina que demonstra uma infância aparentemente saudável, feliz e cercada de suporte adulto. Acontece que ele começou a registrar os seus dias em quinze de julho de 1939 e a sombra da Segunda Guerra Mundial já pairava no ar.


Naquela época, eu tinha oito anos. Durante as férias de verão, escrevi uma frase por dia no meu caderno. Alguma coisa que aconteceu comigo. Era uma tarefa da escola, uma condição para passar de ano. Esse caderno estava guardado até hoje.
A obra possui um projeto gráfico que foi bastante acertado. Algumas páginas trazem a reprodução exata do caderno original, onde as anotações do pequeno Michal foram registradas. O livro mescla as páginas originais do diário com pinturas de Ala Bankroft, que é o pseudônimo da pintora, fotógrafa e ilustradora polonesa Helena Stiasny. O trabalho da artista faz uma ótima contribuição para a atmosfera que o texto carrega. A cada página, as pinturas ajudam a contar a forma, inicialmente sutil, que a guerra foi se instalando no cotidiano da criança.

Entre os dias 13 de julho e 24 de julho de 1939, o menino registra a leveza do início de suas férias. Algo que chama a atenção nessa parte é uma representação bastante “moderna” da infância. Michal relata uma ida a beira de um riacho, uma visita à igreja, um passei com sua mãe, uma saída para tomar sorvete e também sobre o dia que brincou de construir uma ponte de areia.

Nestas passagens, a artista aposta em imagens bem solares e que nos ajuda a entrar no clima de férias. As pinturas não retratam exatamente o que as frases de Michal ditam e apostam na ideia de nos localizar geograficamente, como também no tempo e no espaço.


Em nenhum momento vemos pessoas, mas nos deparamos com cenários que ajudam a contar o tempo e a perceber o resultado das ações humanas. Em uma delas vemos uma bola parada no meio da grama e que nos dá a sensação de que a brincadeira tinha acabado de terminar. Em outra vemos duas raquetes cuidadosamente pousadas em uma árvore, e apenas isso consegue nos remeter ao cansaço de seus donos. Vemos uma mesa posta com guloseimas e um sol radiante que entra por uma janela entreaberta. Nada melhor para representar uma casa de vó.



A partir do dia 31 de agosto de 1939 o diário passa a apresentar um novo tom e as pinturas ganham novas cores. Conforme a penumbra da guerra vai se aproximando, as paisagens vão, lentamente, apostando em cores mais escuras e cenários nebulosos.

Michal recebe a visita da professora. No dia primeiro de setembro, apenas escreveu – começou a guerra. E sabemos que foi nesse dia que a Polônia foi invadida pela Alemanha. Dois dias depois o menino escreve: fiquei me escondendo dos aviões. Na sequência seguem vários relatos sobre parentes que estão vindo de algum lugar e vemos que a família está se juntando. Após frases que falam sobre aviões que sobrevoam, bombas que caem por perto e destroços atingindo janelas, em uma imagem completamente escura, lemos: vai acontecer uma batalha assustadora.