As filhas da Vila dos Tecidos da Anne Jacobs (Editora Arqueiro, 2023) é o segundo volume da série “A Vila dos Tecidos”, que acompanha a história da família Melzer. Eles fazem parte da elite de uma pequena localidade do interior da Alemanha, são donos de uma importante fábrica de tecidos e de uma propriedade luxuosa (de mesmo nome da série), onde se desenrola toda a trama. Misturando ficção com contexto histórico da Alemanha, a obra utiliza de seus personagens para explorar as principais mudanças sociais e políticas que ocorreram no país a partir dos anos 1900.


No primeiro volume da série, fomos ambientados ao contexto do chão de fábrica e ao cotidiano da mansão dos Melzer através da história de seus moradores e empregados. É onde somos apresentados aos personagens e aos principais dilemas que irão impactar a história da família. Além dos amores e das dores, inicia-se um processo de convulsão social da Alemanha, onde costumes e política estão passando por mudanças significativas.

Durante toda a história de “A Vila dos Tecidos”, sopra um vento que anuncia a chegada de uma grande guerra, o que se torna o norte da narrativa de “As filhas da Vila dos Tecidos”.

Com o início da Primeira Guerra Mundial, os homens vão para o front e as mulheres se veem diante da missão de gerir a Vila dos Tecidos, a própria fábrica e garantir alguma normalidade. Enquanto os recursos materiais e alimentícios vão ficando cada vez mais escassos, as filhas da família Melzer precisam lidar também com uma família que está em expansão e o medo constante da violência e da morte.

Algo interessante da obra é a exploração da visão alemã em relação às motivações da primeira grande guerra. Vemos uma população que mal sabia do que realmente se tratava o conflito, que entraram na luta com a certeza de uma vitória, e foram percebendo o quanto entraram em uma guerra estúpida, apenas para colocar o país diante de uma crise econômica sem precedentes.

A obra discute o papel do Imperador Guilherme II da Alemanha, e sua responsabilidade pessoal na eclosão da Primeira Guerra Mundial. O Kaiser alemão era uma figura controversa e violenta, que lutava pela manutenção dos privilégios da monarquia no país. Anne Jacobs faz um contraponto em sua narrativa, que mostra como a sociedade se dividiu entre apoiar Guilherme II, deslumbrados com uma ideia quase doentia de patriotismo, e entre aqueles que defendiam a ideia de República e que estavam cientes da opressão que o país se encontrava.

As notícias de guerra chegam até as filhas da Vila dos Tecidos através da privação de suprimentos básicos e das cartas enviadas pelos homens. As cartas servem como uma estratégia narrativa interessante, pois durante essas leituras é que se desenham os horrores que acontecem em um campo de batalha.

Roedores sempre haviam lhe provocado pânico, mas sua relação com eles mudou. Eram companheiros de sofrimento dos soldados: também viviam agachados embaixo da terra, se assustavam com os impactos dos projéteis e chegavam até mesmo a correr com os homens no momento dos ataques.
Para além do contexto de guerra, a obra se detém também sobre condição das mulheres, em uma época em que não podiam votar, estudar e muito menos ocupar posições de poder. O contexto de guerra mostra a força e a resiliência das mulheres para manter a família e a pátria de pé e com o mínimo de dignidade.

Embora lutasse pelo progresso da humanidade e a soberania do povo, em assuntos privados era terrivelmente conservador. Uma mulher não devia parecer “mundana”, mas manter a “naturalidade”. Cabelo longo, saia longa, temperamento suave. E nem pensar em fumar! Muito vulgar. Do mesmo modo, condenava o uso de batom e esmalte.
O intuito da série “A Vila dos Tecidos” é acompanhar a história da família Melzer através de várias gerações e a cada volume apresentar um pouco da história da sociedade alemã.