Uma separação da Katie Kitamura (Companhia das Letras, 2021) é um romance angustiante sobre uma mulher e seu processo de luto após o fim do casamento. Christopher, seu ex-marido, pede que a separação fique um tempo em segredo e a protagonista da história, que não sabemos o nome, acolhe seu pedido. Apesar de não sabermos o nome da nossa narradora, ela será a personagem com quem travaremos mais intimidade durante a narrativa. Uma intimidade moldada pela perda, pela dor, pela despedida e uma maneira pouco usual de lidar com todos esses sentimentos.


Quando imaginamos o cenário psicológico do fim de um casamento, é inevitável não pensarmos em drama. Imaginamos pelo menos um dos lados envoltos em um sofrimento traduzido em lágrimas, discussões, gritos e por vezes até agressões. A história de “Uma separação” nos surpreende por mostrar um término regido pelo acordo. Isso não quer dizer que não exista dor, mas acima dela está a certeza da necessidade do fim, do fechamento de um ciclo.

Como conhecemos apenas o ponto de vista da esposa e o que ela quer nos mostrar sobre si (que não é pouco) e sobre quem está a sua volta (que é sempre duvidoso), suas reflexões serão a régua pela qual mediremos os sentimentos explorados no livro. A segunda surpresa vem pela forma mais fria e calculista com que ela resolve todos as questões envolvidas com sua situação. Consegue ser pragmática diante da dor. É impossível imaginá-la levantando o tom de voz e muito menos se debulhando em lágrimas. A sua dor funciona por outra ordem e é essa ordem que acompanhamos na narrativa.

Quando recebe um telefonema de Isabella, sua ex-sogra, perguntando sobre o paradeiro do filho, a narradora precisa lidar com o peso do segredo da separação e com o fato de que não tem notícias de Christopher a bastante tempo. Apesar de não poder dizer nada sobre a separação, ela não tem escolha a não ser assumir que também não sabe onde Christopher está. Assim, Isabella acaba descobrindo que seu filho está passando uma temporada, aparentemente a trabalho, em uma ilha grega. Nossa narradora embarca para uma viagem com lugar muito bem definido que a levará para lugares internos ainda não acessados.

Começou com um telefonema de Isabella. Ela queria saber onde Christopher estava, o que me botou na posição constrangedora de ter que lhe dizer que eu não sabia. Isso deve ter soado inacreditável para ela. Eu não lhe disse que Christopher e eu estávamos separados fazia seis meses e que eu não falava com o filho dela havia quase um mês.

“Uma separação” tem como pano de fundo uma ex-esposa a procura de notícias do ex-marido, mas não é um livro de mistério. A narradora se movimenta na busca pelo ex-marido, mas não é um livro sobre Christopher. É uma narrativa com camadas mais profundas. Como nem mesmo ela sabe se quer ou não ter notícias sobre o ex-marido, a viagem para a Grécia se torna mais uma possibilidade de encontro com seu próprio eu.

Na busca por Christopher, ela começa a pensar sobre as raízes da decisão de manter a separação em segredo. Começa a ver com os olhos da razão todo o histórico de seu relacionamento com o ex-marido e com os sogros. Passa a observar as pessoas a sua volta, como a população do vilarejo e os funcionários do hotel, e esses momentos nos mostram diversos outros elementos sobre sua personalidade.

Quando imaginamos o cenário geográfico do fim de um casamento, pensamos em quartos fechados em busca de solidão. Katie Kitamura subverte essa ideia e coloca a personagem em movimento, lidando com estranhos e caminhando por um vilarejo que recentemente ardeu em chamas. E o que seria o fim de um casamento senão um terreno que acabou de arder em chamas e agora precisa lidar com o horizonte de cinzas até que novo sinal de vida brote.