Mar sem fundo da Nina Morena (Quintal Edições, 2021) é um livro de poesias sensível e que utiliza da simbologia do mar para falar da profundidade até daquilo que é aparentemente raso. É um livro que nos desafia a olhar para a profundidade e que nos mostra ao mesmo tempo que existem fundos inalcançáveis e alguns da profundidade de um pires, mas que ainda assim carregam um universo. Aborda temáticas contemporâneas que não deixam de explorar temas clássicos do texto poético como o cotidiano, as relações, o amor, os desejos, as descobertas, as desilusões e tudo aquilo que nos faz sentir vivos.


Mar sem fundo é o livro de estreia de Nina. Diante de suas palavras, que dançam diante de nossos olhos, podemos perceber que estamos diante de uma poeta que sabe bem o que faz. Seu texto sugere sempre a ideia de movimento e esse movimento se demonstra nas temáticas e também nas estruturas textuais escolhidas. Alguns poemas andam de mãos dadas com o molde mais clássico da poesia, enquanto outros apostam numa prosa poética mais livre. Alguns se aproximam da ideia de uma poesia visual, que é o caso de “equilíbrio”.


Quando paro para pensar em todo o contexto da obra, nas sensações que a leitura me trouxe, no projeto gráfico e as temáticas tratadas, a palavra que sempre me vem a mente é imensidão. E no fim das contas acho que é uma boa palavra para surgir quando falamos de poesia. A poesia quando quer ser grandiosa, ela o faz com mestria, e quando ela quer falar sobre o dito simples, pequeno ou ínfimo, ela alcança a imensidão ainda que não queira. A boa poesia tem o poder de ampliar a tudo como uma lupa e por vezes alcança a imensidão a níveis microscópicos.


Gosto dos poemas

sem rimas

que escorregam

feito pipa interrompida por cerol

do toque contínuo do

relógio

da estação

enquanto conto os

níqueis

e olho ao redor se ninguém

me encara

enquanto procuro

razão para voltar os onze

quarteirões a pé

só para dizer que o tom azulado do cabelo

da atendente da cafeteria

é sublime

na hora do encontro não pude dizer

porque qualquer desvio de atenção

me assemelharia ao motorista

de ônibus que não se atenta à estrada

e isso, eu não gosto

em compensação

gosto de ler as placas de trânsito

proibido parar e estacionar

circulação exclusiva de bicicletas

sempre penso na

vastidão de possibilidades

se eu tivesse uma bicicleta

e se essa bicicleta tivesse um cesto

de palha na frente só para carregar tangerinas

gosto de assistir a filmes que eu já sei o final

mesmo quando

o protagonista morre

o importante é esperar o que vem depois dos créditos

é sempre depois dos créditos que se sabe se a trama contina
“Mar sem fundo é permeado de lembranças e memórias afetivas que casam com a ideia do profundo. Tanto nas questões referentes a memória, quanto as diversas temáticas que se apresentam ao longo dos poemas, podemos percebê-las como espécies que habitam esse mar sem fundo que é a gente mesmo. As questões que nos permeiam, que nos formam e nos transformam são como a calda de uma baleia, que as vezes se mostram na superfície, mas que são bem maiores em sua essência. São como um navio naufragado, que desceu para os confins, que não é mais perceptível no horizonte, mas que está lá no fundo, se desmanchando em ruínas e virando essência. Assim como Nina finaliza o poema “água mole em pedra dura” dizendo que “no vácuo, tudo ecoa/ explosão é silêncio.”