Em má companhia do Vladimir Korolenko (Carambaia, 2016) é uma novela russa com um forte viés social. A trama se desenvolve a partir da análise crítica de um modelo bem conhecido por nós, onde alguns tem muito e outros nem mesmo um lugar para morar. Através de uma narrativa que coloca a desigualdade em rota de colisão com lugares de poder físicos e simbólicos, Korolenko desenha personagens, cenários e situações tão bem escritos que nos sentimos parte daquela pequena cidade bolorenta onde a história se passa.
Logo de início já me chamou atenção a destreza de Vladimir Korolenko ao descrever a ambientação da história e as características das personagens. São momentos em que o texto beira o lirismo sem perder o pé no chão que a história pede. Como a novela dá voz a pessoas em situação de vulnerabilidade e repudiadas pela comunidade, existe depois de cada vírgula uma intencionalidade de explorar os tons reais de uma sociedade desestruturada, ao mesmo tempo em que a escrita insere vez ou outra um tom de prosa poética. Ela aparece nos momentos que o autor descreve a própria decadência da cidade, que aos olhos do texto literário é algo bonito de se ver, assim como nos momentos que nos apresenta figuras extremamente exóticas que desfilam pelo vilarejo.
“Em má companhia” conhecemos a história de um menino de família rica, filho de um importante juiz local e órfão de mãe. A falta de afeto no próprio lar o leva a experimentar ainda muito cedo a vivência nas ruas e por conta disso o garoto acaba se aproximando de pessoas muito pobres, marginalizadas e em situação de rua. O garoto, de certa forma, via-se marginalizado pela relação distante que possui com o pai e pela opinião pública que o colocava na condição de vadio e vagabundo por conta de seu espírito livre.
Do alto de seus privilégios, o personagem se depara com uma realidade distinta e mostra uma grande dificuldade em entender a condição daquelas pessoas que sofrem tantas privações. Como tem uma personalidade mais voltada para a empatia e que beira a ingenuidade, ele começa a fazer alguns movimentos de aproximação. Enquanto faz isso, acaba ajudando as pessoas a matar a fome e outras necessidades básicas, mas o que percebemos é que por trás de suas ações, existe também uma necessidade de se relacionar afetuosamente, de fazer parte de um grupo, de ser visto.
Talvez como uma estratégia narrativa, Korolenko ambienta a história em uma cidade que parece estar longe de tudo, onde a maioria das edificações estão muito velhas ou em ruínas, mas que caminha pelas normas não ditas da elite. Inicialmente, os mendigos e desabrigados da tal cidade vivem em um castelo em estado de abandono e quando o autor localiza a extrema pobreza, literalmente dentro de um tipo de habitação historicamente vinculada a reis, rainhas ou pessoas muito ricas, ele nos ajuda a traçar um panorama crítico sobre como a sociedade se organiza. E o faz através de um constante estado de desconforto.
Da montanha viam-se a ilha e seus enormes álamos negros, mas o bravo e arrogante castelo ocultava-se da vista da capela graças à vegetação espessa. Somente naqueles momentos, quando o vento forte vinha dos juncos e atacava a ilha, os álamos balançavam e, atrás deles, viam-se o brilho das janelas e parecia que o castelo lançava para a capela os seus sombrios olhares. Agora, tanto o castelo quanto a capela transformaram-se em cadáveres. Os olhos do castelo se apagaram. Já não lançavam o reflexo dos raios do sol da tarde; o teto da capela afundara em alguns lugares, o estuque das paredes ruira e, em vez do repique alto do sino de cobre, corujas entoavam seus maus augúrios.
“Mora no castelo” tornou-se sinônimo de grau extremo de pobreza e de decadência social.
Assim como o castelo ganha um viés completamente desvinculado daquilo que já conhecemos, o jovem protagonista da história, através de uma trajetória de aproximação do mundo real vai conhecendo melhor a estrutura da sociedade e como a desigualdade se mantem. O mergulho do personagem em um realidade que não era propriamente a sua deixa algumas lições nas entrelinhas sobre justiça social, combate a preconceitos e empatia que muito tem a ver com a própria trajetória de vida do escritor Vladimir Korolenko.
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