Vergonha da Brittainy C. Cherry (Editora Record, 2022) é um romance que focou em utilizar todos os clichês possíveis para contar uma história de amor. É recheado de reviravoltas, traições, descobertas, revoluções internas e questionamentos sobre formas de sobreviver depois de se quebrar emocionalmente. Grace e Jackson, os protagonistas, são como uma espécie de revisitação da história clássica da Bela e a Fera, em uma narrativa onde ambos precisam enfrentar as próprias dores e cicatrizes para encontrar alguma espécie de conforto. Brittainy usa e abusa dos temas universais e do embate entre família, religião e conservadorismo para prender a atenção dos leitores até a última página.


A capa do livro acaba por nos remeter a uma ideia de que estamos diante de um livro erótico, mas a verdade é que seria muito melhor se fosse. Por mais que a construção da personalidade e aparência de Jackson e Grace tenha tudo para que o livro embarcasse por esse caminho, a escritora não segue por aí e talvez a obra ganhasse mais força se tivesse uma ou outra descrição de sexo mais explícita. O que os leitores vão encontrar são dois personagens vivendo uma grande crise existencial até se encontrarem.

Grace é uma jovem que acabou de se separar do marido. Seu casamento entrou em ruína depois de um certo distanciamento do companheiro e de um processo depressivo originado pelos vários abortos que vivenciou. Mesmo estando a meses vivendo separados, Grace esconde de sua família, que vive em uma cidade pequena e tradicional, a quantas anda a sua relação. 

Você não precisa saber o que é amor para saber o que não é amor.

Além de carregar o peso do rompimento, ainda precisa se preparar para as consequências que isso irá gerar em sua família e em uma comunidade que vela a vida alheia tanto quanto velam a Deus. O pai, que é o pastor da igreja e sua mãe, uma mulher fria e controladora comandam a igreja e as relações sociais da comunidade. Grace e sua irmã sempre tiveram que se colocar em um lugar de perfeição para garantir a boa imagem da família perante todos.

Todo dia eu rezava para que meu marido voltasse a me amar. Depois de quinze anos juntos, ele me abandonou e foi para os braços de outra. Eu não sabia como lidar com isso. Não conhecia meu próprio valor. Não me imaginava vivendo sem ele ao meu lado. Tudo o que eu queria era que ele voltasse para mim.

Jackson já representa o contrário. Ele e seu pai são vistos como parias nessa mesma cidade. Enquanto Jackson possui um passado marcado pelo vício das drogas, diversas ocorrências de brigas e envolvimentos em casos extra - conjugais, seu pai vive quase sempre bêbado pela cidade e possui diversas passagens pela polícia. Quase toda a cidade parece odiá-los e mesmo diante desse histórico os dois decidem não se afastar da cidade por alguns motivos que vão se revelando durante a leitura.

Jackson carrega uma grande ferida relacionada à forma com que seu pai e sua mãe se separaram enquanto ele ainda era criança. Quando se trata especificamente da história de Jackson o livro vai permeando capítulos entre o seu passado e o seu presente, uma escolha narrativa que ajuda a demonstrar o quanto alguns episódios familiares o transformaram em um adulto que usa de estratégias para afastar qualquer tipo de afeto. Jackson parece se importar apenas com seu pai e seu velho cachorro que fora o último presente de sua mãe. Ele usa da raiva, do ódio e o preconceito da cidade para se manter ainda mais afastado de tudo e de todos. Os dois nutrem um ódio ainda maior pela família de Grace por conta de alguns mistérios do passado.

Quando Grace decide voltar para sua cidade de origem ainda com esperanças de salvar o casamento, seu caminho cruza de forma inesperada e intensa com o de Jackson. Com o tempo os dois vão baixando a guarda e decidem embarcar numa relação temporária cheia de regras para não se tornar uma relação que envolva sentimentos, pois, inicialmente o que eles desejam é afogar suas mágoas um no outro. Um plano que previsivelmente acaba por sair do controle e juntos eles vão encontrando no apoio mútuo as peças para retomar o rumo de suas vidas e curar feridas.

Grande parte do livro foca no adestramento que a religião pode significar na vida das pessoas, e principalmente das mulheres. Grace é o retrato da mulher que precisou represar todas as suas vontades e desejos para suprir o que se entende como uma vida dedicada a Deus e a religião. O fato de seus pais serem os responsáveis pela comunidade religiosa aumentou ainda mais as responsabilidade de Grace e sua irmã de seguirem à risca os preceitos religiosos. A separação e o encontro com Jackson levam Grace a um encontro com sua própria individualidade. 
Às vezes era difícil ser uma seguidora de Deus, quando os sussurros do demônio pareciam bem mais satisfatórios.
Vergonha” é um livro de fácil leitura, cheio de lugares comuns e situações que desafiam a nossa suspensão da realidade, mas ainda assim é uma ótima pedida para quem curte um romance do tipo bestseller. É ideal para aqueles momentos em que queremos ler apenas pelo entretenimento. A construção da história se dá de forma interessante e a construção das personagens permite que a gente se sinta bem próximo de seus dramas, mas fiquei bastante frustrado com a conclusão da obra. Acredito que Brittainy optou por algumas soluções que contradizem todo o processo de libertação e descobertas que ela explorou em todo o livro, pintando um mundo cor de rosa que não é nada crível.