Pássaros na boca e sete casas vazias da Samanta Schweblin (Editora Fósforo, 2022) é uma publicação que reúne dois livros de contos da Samanta, escritora argentina aclamada por público e crítica. O seu livro “Pássaros na boca” que estava esgotado no Brasil e foi ganhador do Prêmio Casa de las Américas de 2008, volta juntamente com o “Sete casas vazias” (inédito no Brasil) com uma bela capa. A obra é ótima indicação para quem ainda não conhece a escrita de Samanta, pois carrega os principais elementos que constituem sua produção, como a utilização do fantástico, do insólito e do grotesco para brincar com a realidade.



Samanta é bastante conhecida pela qualidade de suas obras e por transitar de forma segura pelos gêneros literários. Seu realismo fantástico é construído de forma bastante inquietante. Através de textos que convidam os leitores para um universo capaz de despertar as mais diversas sensações, a escritora abre várias brechas para que a gente possa navegar para muito além do que as palavras entregam e para muito além de cada ponto final.

Nos contos de “Pássaros na boca e sete casas vazias” somos apresentados a um mundo perturbador através de novas lentes. A escritora usa da banalidade do dia a dia e de acontecimentos aparentemente corriqueiros para tratar de temas que são considerados difíceis e até mesmo pesados. Para tanto, utiliza do artifício do texto fantástico, para que através da liberdade da escrita e do exagero proposital consiga pautar temas sociais ou perturbadores por outra ótica. Quando pinta a realidade com outras cores, Samanta nos convida a acessar um lado B da nossa própria capacidade de fabulação, como também vivenciar o poder da literatura de transformar palavras em pura arte.

A primeira parte do livro explora personagens inusitados, situações quase inverossímeis e sobrenaturais, situações engraçadas, irônicas, assustadoras e por vezes de uma violência que consegue ser não-violenta por vir fantasiada de outras caras. Já na segunda parte do livro todas as características citadas acima continuam a fazer parte da escrita, só que transportadas para o ambiente familiar, para dentro das casas e consequentemente para dentro de nós mesmos. As situações limite que Samanta gosta de criar ficam ainda mais assustadoras quando somos fechados em uma sala junto com elas.

No decorrer de toda a obra nos divertimos, ficamos surpresos e assustados com situações como a de um homem que se torna uma espécie de refém dos funcionários de uma estação de trem pelo simples fato de estarem sem troco para a compra de sua passagem. Conhecemos uma menina que de repente começa a se alimentar de pássaros vivos para desespero de seus pais que não sabem lidar com a o asco da situação. Em outra, um homem mata a própria esposa, a coloca em uma mala e ao invés de sumir com seu corpo o mesmo acaba se tornando uma obra de arte. Lemos também sobre a história de um homem bala de circo aposentado que no fim da vida começa a perder a velocidade. 

“Pássaros na boca e sete casas vazias” foi uma das minhas melhores leituras do ano. Propiciaram algumas horas de leitura que me tiraram da zona de conforto, que conseguiu me surpreender e promoveu momentos de assombro e também de riso. O insólito pode ser uma ótima estratégia narrativa e isso a Samanta Schweblin sabe fazer seguindo a grande tradição dos grandes escritores da ficção latino-americana.