A vida invisível de Addie Larue da Victoria "V.E." Schwab (Galera Record, 2021) é um romance que trata sobre a liberdade usando a metáfora da imortalidade. Para tanto, se agarra a elementos fantásticos interessantes. Addie Larue é uma jovem que vive em um pequeno vilarejo no interior da França em meados de 1714 e que sempre se incomodou com quão pequeno era seu mundo. Uma curiosidade que até então almejava apenas conhecer a cidade mais próxima, foi se transformando em um anseio por conhecer o mundo, por conhecer outras possibilidades de vida para além do pedaço de terra em que nascera. Addie Larue tinha uma certeza: "Não quero morrer do mesmo jeito que vivi." Quando se vê obrigada a casar, seguindo a tradição da época e que se enterraria de vez naquele povoado, a jovem acaba selando um pacto com uma entidade que caminha pela escuridão.


Tomada pelo desespero, Addie ignorou um dos principais ensinamentos de Estele, uma espécie de bruxa e curandeira da região: "Não faça preces aos deuses que atendem depois do anoitecer." No meio da noite, em uma hora decisiva para seu destino, ela clama para que qualquer deus a salve daquela situação, e de repente, suas preces são atendidas. Uma entidade que se alimenta de almas só atende pessoas em situação de desespero e quando estamos nesse estado é impossível se ater com atenção a todas as palavras e nuances do acordo que está para selar. Um pacto é um pacto - por vezes, irrevogável. É um contrato com algo que pode ser um deus ou um demônio e que sempre custa muito caro.

- Eu não quero pertencer a outra pessoa - diz ela, com veemência repentina. As palavras são uma porta escancarada, e agora ela despeja todo o resto. - Não quero pertencer a ninguém além de mim mesma. Quero ser livre. Livre para viver e encontrar meu próprio caminho, para amar ou ficar sozinha, mas que seja por escolha própria. Estou tão cansada de não ter nenhuma escolha, tão assustada de ver os anos se passando diante dos meus olhos. Não quero morrer do mesmo jeito que vivi, porque isso não é vida...

A garota entrega um prato cheio à escuridão. Addie despeja tantas palavras e tantos desejos que terão consequências até então inimagináveis. Ela pede, roga para que tenha liberdade e tempo para conhecer e viver tudo o que deseja viver e nesses termos um grande pacto é selado com beijo e sangue.

Quando Addie acorda de uma espécie de transe, está exatamente onde se lembrava de estar, a mesma floresta, o mesmo vilarejo, o mesmo anseio de fuga e o encontro com a criatura da escuridão parece ter sido apenas um sonho. Mas é quando volta para casa, ao encontro de seus pais, que ela descobre que toda lembrança sobre sua existência fora apagada. Addie não existe mais para seus pais, nem para o povo do Vilarejo e com o tempo vai perceber que nunca mais será lembrada por ninguém.

Um ano que passou aprisionada dentro do prisma daquele pacto, forçada a sofrer sem morrer, a passar fome sem definhar, a desejar sem enfraquecer. Cada momento ficou impresso na sua memória, enquanto ela mesma desaparece da memória dos outros sem o menor motivo, apagada por uma porta que se fecha, por se perder de vista por um segundo, por um momento de sono. Incapaz de deixar uma marca em qualquer pessoa, ou em qualquer coisa.

No pacto selado Addie não envelhece, não é acometida por doenças, mas nunca mais ninguém conseguirá se lembrar dela. Cada pessoa que passa pela sua vida a esquecerá a cada vez que uma porta se fechar, que uma parede se colocar entre elas numa interpretação exata e cruel do seu desejo de não pertencer a ninguém.

Mas agora Addie sabe muito bem que essas histórias estão repletas de seres humanos tolos que fazem tolices, que são fábulas de alerta sobre deuses, monstros e mortais gananciosos que desejam coisas demais e não conseguem compreender o que perderam. Até que pagam o preço, e é tarde demais para voltar atrás.

O livro mescla capítulos que viajam entre o vilarejo da França em 1714 e a atualidade, que seria o ano de 2014 em Nova York. De cara já sabemos que trezentos anos se passaram, que Addie viajou pelos quatro cantos do mundo, que aprendeu diversas línguas, pois agora o que não falta a ela é tempo. Se por um lado não falta tempo, por outro Addie não pode acumular nada para si, não pode dizer seu verdadeiro nome e quando o tenta a voz simplesmente não sai. Ela não pode alterar drasticamente a realidade, como destruir coisas, aparecer em fotos ou mesmo escrever. Addie não pode deixar sua marca no mundo. "O que é uma pessoa, se não as marcas que deixa para trás? Ela aprendeu a caminhar entre os espinhos, mas não consegue evitar alguns cortes."

A escritora V.E. Schwab começa então a brincar com a ideia da existência de uma pessoa que assiste ao desenrolar da história da humanidade em trezentos anos. Quantas coisas não aconteceram em trezentos anos? Quantas coisas não foram inventadas em trezentos anos? E quanto não se pode aprender nesse mesmo tempo? Addie passeia pelo mundo e também pela nossa história, se encontra com personalidades lendárias e são essas possibilidades que não a deixam sucumbir e por fim entregar sua alma. Inicia um jogo perigoso com a escuridão.

A entidade sombria que a garota passa a chamar de Luc a visita a cada aniversário do pacto oferecendo rendição e o incrível é que quanto mais Addie vive mais sente que a vida nunca para de surpreender e que há sempre algo novo a ver e aprender. Apesar de precisar viver morando em lugares improvisados, roubando comida e roupas, estabelecendo relações que não duram mais que um dia, Addie vai encontrando, sorrateiramente, algumas maneiras de deixar sua marca no mundo até que um dia encontra com alguém que se lembra dela no dia seguinte.