Cartas para minha avó da Djamila Ribeiro (Companhia das Letras, 2021) é um livro que carrega consigo três vidas, três histórias e traça o retrato de três gerações de mulheres negras que enfrentaram (e enfrentam) o racismo e a opressão de gênero. Através das memórias de Djamila, que conversa de forma franca e afetuosa com sua avó que já partiu, fica nítido o quanto é possível quebrar ciclos de violência e opressão. No caso da história dessas três mulheres, a quebra se deu através de um histórico de proteção, de amor, de exemplo e da força dos olhares cúmplices. 

Enquanto faz o exercício de contar fatos corriqueiros e também decisivos de sua vida, Djamila vai mostrando aos leitores os impactos que as histórias de nossa família de origem podem causar em nossa formação. Contando sua história, Djamila mostra que sua carne também é feita das histórias de sua vó e de sua mãe. A autora usa cada página para agradecer, entender e fazer as perguntas que sempre quis fazer para sua avó, além de ser uma forma de participar mãe e vó de muitas de suas conquistas que as mesmas não tiveram a chance de testemunhar em vida. 


"Cartas para minha avó" é um livro autobiográfico, mas também um livro onde a reflexão sobre a vida, a situação das mulheres negras, o impacto do machismo, gênero e  sexualidade, educação, cultura e demais temas não poderiam deixar de existir, uma vez que fazem parte de quem Djamila se tornou. O mais bonito da obra é ver como a escritora consegue mapear a importância de sua família em cada passo de sua formação. Apesar de conter muitos trechos que narram sobre a dor e o sofrimento que enfrentaram em relação às questões corriqueiras da vida e em relação à violência do racismo, Djamila consegue ao mesmo tempo denunciar o que precisa ser denunciado e mostrar a beleza que existe na força do enfrentamento para se viver com dignidade. Djamila Ribeiro se tornou uma mulher de luta porque assim era a sua família que a fez perceber que "a sensação de direito adquirido era melhor que a sensação de dever cumprido."

Se as injustiças do mundo me deixam indignada, foi porque olhos altivos negros da cor da noite me acolheram antes que eu pudesse aprender as palavras, antes que eu soubesse o que era feminismo ou luta política. Olhos que me repreenderam quando eu estava errada e que me ensinaram a humildade de pedir desculpas. 

 A ideia de colocar em palavras tudo aquilo que não conseguiu dizer para sua avó em vida é algo emocionante. Conseguimos sentir a carga de emoção, de afeto e de verdade que Djamila coloca em cada frase. "Cartas para minha avó" é também um livro muito corajoso, pois Djamila não mostra nenhum medo de se expor e ao fazê-lo acabamos nos identificando com certas passagens de sua vida e aquelas que não servem de identificação ficam como partilhas, ensinamentos, lições e mais um motivo para admirar admirar Djamila Ribeiro como a grande pensadora que é.