O vilarejo de Raphael Montes (Editora Suma, 2015) é um livro que inspira a leitura de um fôlego só. É tão envolvente, bem escrito e bem estruturado que a gente não consegue largar. Raphael consegue fazer muito em poucas páginas e o resultado é um livro de contos para ser lido, relido, dividido com amigos e uma ótima opção para clubes e rodas de leitura. Os sete contos presentes na obra se referem a sete nomes de demônios, que de forma arguta nos leva a assistir a derrocada de um vilarejo e seus habitantes em história de terror e suspense da melhor qualidade.
Além da escrita que é muito fluida, um outro êxito do livro é a sua temática. Em "O vilarejo" você não encontrará um terror barato, pois o que Raphael Montes construiu ali, foi uma aventura muito bem pensada e cheia de links que vão nos surpreendendo a cada conto. São links com histórias clássicas, mas também com uma nova forma de experimentar uma narrativa e de utilizar do próprio livro e sua estrutura como elementos importantes para contar as histórias. "O vilarejo" já começa a tomar forma no prefácio, onde o próprio escritor se torna uma personagem e acontece um arremate dos contos no posfácio. Dos poucos livros que li por e-book, esse é um que funciona muito bem nessa outra ferramenta, justamente por sua estrutura.
Como dito antes, cada conto faz relação com um demônio e cada demônio representa um pecado capital, sendo assim, cada história irá se debruçar sobre as consequências dos próprios atos das personagens. Sempre que pensamos em demônios nas diversas histórias, já mentalizamos uma figura monstruosa, de grandes chifres, soltando fogo e ódio pelas ventas. A escolha criativa desse livro foi mostrar que cada demônio mora em cada tomada de decisão que muitas vezes sabemos erradas mas que são encorajadas por outros interesses ou necessidades humanas.
Em 1589, o padre e demonologista Peter Binsfeld fez a ligação de cada um dos pecados capitais a um demônio, supostamente responsável por invocar o mal nas pessoas. É a partir daí que Raphael Montes cria sete histórias situadas em um vilarejo isolado, apresentando a lenta degradação dos moradores do lugar, e pouco a pouco o próprio vilarejo vai sendo dizimado, maculado pela neve e pela fome.
Todas as histórias se passam nesse mesmo Vilarejo, que não sabemos em que região fica. A nossa única certeza é de que algo muito assustador ronda por entre aquelas casas e pelas mentes de seus moradores. Para agravar guerra, frio e fome assolam o local e então Asmodeus (luxúria), Belzebu (gula), Mammon (ganância), Belphegor (preguiça), Satan (ira), Leviathan (inveja) e Lúcifer (soberba) tem diante de si o cenário perfeito para a desolação.
Os contos podem ser lidos na ordem que o leitor e a leitora acharem melhor. A estrutura do livro não tira a surpresa das revelações. Cada conto lido ao fazer menção a uma história já contada ou que está por vir dos habitantes do vilarejo, serve como complemento, como peça que nos encaminha para a conclusão. Isso funciona de uma forma tão mágica que quando nos deparamos novamente com mais um fragmento de uma personagem já conhecida, é como se fôssemos também moradores do vilarejo e estivéssemos nos lembrando de um fato acontecido com uma vizinha próxima.
As ilustrações do Marcelo Damm são primorosas e conseguiram captar a essência dos contos. Eu particularmente, sou fissurado em histórias que se passam em cenários como o desse livro e as imagens criadas pelo Marcelo contribuíram com a experiência de leitura. As cores escolhidas e seu traço casaram com o nível de tensão, suspense e terror que a obra pede. A conclusão do livro é muito boa e um exemplo de parceria eficaz entre escrita e ilustração. Existe uma grande surpresa no fim (e não estrague a sua leitura folheando as últimas páginas) onde escrita e ilustração até que poderiam estar dissociadas, mas o fato de não estarem garante um puxar de fôlego e um "putz" que faz a gente fechar o livro satisfeito com o final.
O vilarejo é um livro que mostra a capacidade da literatura nacional contemporânea de embarcar de cabeça na escrita de fantasia. O preconceito literário de muitos, sempre tenta colocar a fantasia e seus escritores como literatura "menor", mas o fato é que é preciso muito talento e destreza com as palavras para construir um universo fantástico tão empolgante como o de "O vilarejo".
Eu achei esse livro sensacional, foi o primeiro que li do autor e já estou muito curiosa pra conhecer mais obras dele. Adorei a resenha.
ResponderExcluirSim. Quero muito ler todos os livros do Raphael Montes. O Vilarejo é surpreendente.
ExcluirMuito boa essa resenha. A "cosmicidência" é que eu adquiri o livri ontem no Kindle para celular. Sua resenha me fez colocá-lo à frente na lista de leituras! ><
ResponderExcluirTerminei agora. Bem, confesso que tive um pouco de decepção, mas acho que talvez seja recalque mesmo. O prefácio e o posfácio, a meu ver, são as melhores partes do livro. Inclusive as mais assustadoras. A última página, então!
ExcluirObrigado pela dica, meu amigo.
A última página pra mim é a cereja do bolo. Fiquei tão eufórico e surpreso com essa ideia.
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