A família perfeita de Lisa Jewell (Editora Intrínseca, 2022) é um livro de suspense com uma receita difícil de dar errado: capítulos rápidos, várias reviravoltas e um narrador tão suspeito quanto a própria trama. A história começa com Libby, uma jovem que está completando 25 anos, recebendo uma carta que irá mudar sua vida. Na carta ela descobre a identidade de seus pais biológicos e que é a única herdeira de uma mansão que custa milhões. Como se já não fossem revelações suficientes, Libby ainda descobre que seus pais foram encontrados mortos na cozinha dessa mesma casa, ao lado de mais um homem cuja identidade nunca fora revelada. Os três corpos foram encontrados em estado de decomposição no que fora, aparentemente, resultado de um misterioso pacto suicida. Enquanto os corpos jaziam na cozinha, Libby, ainda um bebê de dez meses, chorava em um berço no andar de cima.
Vinte e cinco anos antes, a polícia foi ao casarão após receber o chamado de que havia um bebê chorando. Quando chegaram, os policiais encontraram uma menininha de dez meses, saudável, balbuciando alegremente em seu berço. Na cozinha, porém, jaziam três cadáveres em decomposição, todos vestidos de preto, ao lado de um bilhete rabiscado às pressas.
Para tentar entender a sua própria história, Libby se junta a Miller, um jornalista investigativo que, a anos atrás, escreveu uma extensa matéria sobre o caso, mas sem conseguir decifrar as motivações e circunstâncias das mortes. Visitando a mansão e indo em busca de outras pessoas que possam ter tido alguma relação com a casa e com seus pais, os dois vão se aproximando de verdades perturbadoras.
Ao avançarmos na história, descobrimos que Libby não era a única pessoa que estava à espera da carta. A narrativa volta no passado, para mostrar a história de outras pessoas que estavam vinculadas aos acontecimentos misteriosos da mansão. Retornamos para o início dos anos 80 para entender a história da casa e de algumas pessoas que acabaram se tornando moradores em circunstâncias bizarras.
Libby para e pensa em todos os outros mistérios revelados pela reportagem: as crianças que fugiram da casa, a pessoa que ficou para cuidar dela. Pensa nos rabiscos nas paredes e na tira de tecido pendurada no radiador, nos arranhões entalhados nas paredes, no bilhete estranho deixado pelos pais, nas rosas azuis pintadas no berço, nas folhas de papel arrancadas das paredes, nas manchas de sangue e nas fechaduras do lado de fora dos quartos das crianças.
Os capítulos, além de alternarem entre passado e futuro, também alternam entre pontos de vistas de três personagens diferentes, que são a Libby, a Lucy e o Henry. A forma como a autora traça a linha temporal e nos apresenta a cada um dos personagens é bastante empolgante. É aquele tipo de livro onde provavelmente você terá um narrador preferido. No meu caso são os capítulos onde Henry, um dos adolescente que morava na casa, defende o seu ponto de vista. Henry é um narrador enigmático e ao mesmo tempo muito convincente. Tudo em que ele se envolve é de forma extremamente intensa e passional, o que confere uma boa dose de drama e tensão para seus capítulos.
“A família perfeita” pode sim ser considerado um thriller de suspense, mas acredito que sua porcentagem de drama familiar seja o ponto principal. Jewell consegue a façanha de construir a tensão sem usar das formas gráficas de violência, pois ela aposta em uma tensão que é psicológica. Os perigos que rondam a trama estão mais voltados para a capacidade de destruição de vidas pela manipulação do que para os atos de violência física em si.
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