Mogens do escritor dinamarquês Jens Peter Jacobsen (1847-1885) é o segundo volume da Coleção Norte-Sul, que conta com organização e tradução do Guilherme da Silva Braga e lançado pela Editora Aboio. O intuito da coleção é apresentar aos leitores brasileiros alguns nomes importantes da literatura nórdica. A coleção conta com obras traduzidas diretamente do norueguês, dinamarquês e sueco. Mogens, originalmente publicado em 1872, foi o primeiro de uma série de livros de relatos curtos que o autor publicou e é considerada a primeira obra do naturalismo literário na Dinamarca. 



Desde a infância, Jacobsen demonstrava grande curiosidade pela natureza e pela botânica. A região que nasceu, onde tinha contato direto com a natureza, potencializou essa curiosidade pelo mundo natural, o que o levou, ainda criança, a colecionar e catalogar plantas. Com esse “estudo” ele escreveu uma espécie de fanzine chamado “As plantas mais estranhas de Silstrup”. Mais tarde, estudou botânica na Universidade de Copenhague e foi galardoado no ano de 1872 com a medalha de ouro da Academia Dinamarquesa pela sua contribuição e desenvolvimento da botânica no seu país.

Naturalmente, o seu fascínio pela ciência terminou por influenciar toda a sua produção literária. Nos primeiros capítulos de “Mogens”, conseguimos acessar esse universo onírico e ao mesmo tempo real que sua literatura desenha.

Era verão, em pleno dia, num canto da cerca. Perto havia um antigo carvalho, e a respeito do tronco poder-se ia dizer que se torcia em desespero ante a falta de harmonia entre as folhas novas e amareladas e os galhos pretos, tortos e grossos, que acima de tudo se pareciam com o rascunho grosseiro de antigos arabescos góticos.
O autor descreve com minúcias a ambientação da floresta na iminência do cair da chuva. É como se estivéssemos em uma galeria, apreciando um quadro. Enquanto a chuva não cai, presenciamos os detalhes de uma tela e após a chuva cair, a narrativa se torna fluida e com movimento, a ponto de conseguirmos vislumbrar o trajeto de uma gota.

Tudo cintilava, luzia e chapinhava. Troncos, galhos, folhas, tudo brilhava de umidade; cada pequena gota que caía na terra, na grama, na escada junto à cerca, no que quer que fosse, dividia-se e espalhava-se em mil pérolas delicadas. Pequenas gotas dependuravam-se ao longe e transformavam-se em gotas maiores, pingavam aqui, reuniam-se a outras gotas, tornavam-se pequenos regatos, corriam para longe em diminutos sulcos, caíam em grandes buracos e saíam em outros, pequenos, zarpavam levando consigo terra, lascas de madeira e pedaços de folhas, colocavam-nas no chão, faziam-nas flutuar, giravam-nas e tornavam a abandoná-las mais uma vez no chão...


Na obra, acompanhamos os relatos sobre a vida de Mogens, personagem que dá nome ao livro. A história é contada através de fragmentos, por onde desfilam pensamentos e visões de mundo que obedecem ao status do seu amor. O apaixonamento e as frustrações de Mogens obedecem às estações do ano.

Jacobsen teve uma vida curta e não recebeu a devida atenção dos leitores e da crítica enquanto ainda estava vivo. Após a publicação de seu segundo romance, cinco anos antes de sua morte, foi que o autor começou a ganhar alguma notoriedade. Posteriormente seria citado e serviria de inspiração para autores como Thomas Man, Freud e Kafka.