Noveletas: Liv & A Planície do escritor norueguês Sigbjørn Obstfelder - 1866/1900 (Editora Aboio, 2023) é o primeiro título da Coleção Norte-Sul, organizada e traduzida pelo Guilherme da Silva Braga, com a proposta de aproximar os leitores brasileiros de histórias e autores dos países nórdicos. É uma iniciativa interessante, visto que temos uma carência de publicações de obras dessa região e conhecer outros países através da literatura, é sempre uma experiência reveladora. A coleção já conta com obras traduzidas diretamente do norueguês, dinamarquês e sueco. 


Sigbjørn Obstfelder foi um escritor e poeta norueguês do século XIX, nascido na cidade de Stavanger e cresceu em uma família de dezesseis irmãos. Seu pai era padeiro e também um homem rígido e inacessível emocionalmente. Sua mãe faleceu quando Sigbjørn tinha apenas quatorze anos de idade.

O autor possui uma história de vida bastante triste e além da vivência de um lar sem referências, Sigbjørn também tinha episódios de colapso nervoso. Devido à sua saúde mental instável, acabou passando grande parte da vida internado em clínicas de repouso. 

Apesar do histórico triste, Sigbjørn é reconhecido como um dos maiores nomes da literatura norueguesa e considerado o primeiro poeta modernista do país. Sua vida influenciou bastante em sua obra, então encontraremos em seu texto, além da predominância da linguagem poética, a incidência de temas como a solidão e a melancolia.

Nas duas pequenas novelas que compõe a obra lançada pela Editora Aboio, temos a oportunidade de experimentar o estilo literário de Sigbjørn, com duas histórias poéticas e que denotam o olhar atento do narrador para o mundo. O tom é sempre contemplativo, poético e um verdadeiro deleite para leitores que como eu, gostam de grifar trechos marcantes do texto.


Perto da minha habitação existe um café que costumo visitar ao escurecer. Em geral o lugar está vazio. Gosto muito de ficar sentado lá. Posso ficar lá sentado por muito, muito tempo. Nem sei ao certo porque gosto tanto. Acho que na maioria das vezes nem chego a pensar, tenho apenas um sentimento de paz, de que naquele instante tudo está em silêncio, de que as perguntas grandes e difíceis e as dúvidas terríveis e tudo o que há de patético não se encontra por lá, de que respiro tranquilo e as pessoas andam ao meu redor e cuidam de seus afazeres e vivem em silêncio, sem reclamações e sem nenhuma exigência de que justamente eu também participe.
A prosa de Sigbjørn é abstrata, psicológica e com leves tons de uma espiritualidade que não chega a ser uma espiritualidade religiosa, mas a de um observador que precisa encontrar significado no mundo, nas coisas e nas sensações. Um observador que analisa o barulho dos passos da musa no corredor e consegue fazer correlações com seu possível estado de espírito.

Nas duas novelas, podemos perceber seu olhar para a solidão em relação à vivência na cidade e suas reflexões sobre possíveis formas de ser e estar na mesma, como também na relação com o outro, que a parece sempre por trás de uma névoa de bastante reserva.

A bem dizer eu conheço algumas pessoas nessa cidade, mas raramente faço visitas. E quando faço sinto um medo terrível. É como se eu temesse que fossem roubar uma parte de mim.
Aqui é tão solitário – nada de passos familiares, nada do farfalhar do vestido! É como se todas as pessoas tivessem ido embora e as casas estivessem vazias. Por vezes tenho a impressão de ouvir lamentos e gritos sufocados. Passei demasiado tempo sentado e sozinho e estou nervoso.
Sua prosa é escrita de forma fragmentada, o que ajuda na imersão de tudo o que o autor representa de exaltação do fluxo de memória, de percepção do cotidiano, do acaso, daquilo que porventura não se vê e só se percebe. A escrita de Sigbjørn Obstfelder é uma visita ao que não é facilmente dito - ao imensurável.