Ti Amo da escritora norueguesa Hanne Ørstavik (Editora Aboio, 2023) é um romance autobiográfico que nos transforma em testemunhas de um processo de despedida. No relato, a autora se vê diante da iminência da morte de seu marido, que está com um câncer terminal. A obra relata com detalhes a descoberta da doença, o início do definhamento do corpo e o entendimento de que a morte está para chegar. O texto é estruturado como se fosse uma conversa da narradora com seu marido e ao mesmo tempo como um desabafo íntimo e corajoso de como o luto se instaurou em sua vida.


A obra não obedece a uma ordem cronológica dos fatos, pois como ela se assemelha a uma conversa, Hanne parece despejar as emoções conforme elas lhe batem. A narrativa segue um fluxo que retrata a forma como era possível lidar com cada situação, sendo a interpretação da morte e seu devido significado umas das maiores questões. Em um casamento de quatro anos, dois deles foram passados em meio a exames e sintomas, então o texto faz saltos entre lembranças que circulam entre medicamentos e a maneira como se conheceram e se apaixonaram.

A narrativa também é permeada por reflexões sobre o processo de escrita. Hanne Ørstavik é uma escritora consagrada em seu país e no momento em que receberam o diagnostico da doença, ela já estava em estágio avançado da escrita de um romance. Diante de um luto, que ainda não podia ser nomeado como tal, Hanne nos demonstra como o ato da escrita era a única coisa que podia lhe salvar.

Terminei de escrever o romance porque era a única coisa que eu podia fazer. Não posso fazer nada para ajudar você. Também não posso fazer nada por mim além disso. Terminar meu romance. Por que é isso que eu faço. Escrevo romances. É assim que me encontro no mundo, eu crio um lugar, ou o romance cria esse lugar para mim, nós fazemos isso juntos, e é lá que eu posso existir, no romance.
Eles, que antes do diagnóstico acreditavam ter todo o tempo do mundo para realizar seus sonhos, de repente precisam elaborar a presença da incerteza, do vazio e da dor. Duas pessoas, que antes eram verdadeiros cidadãos do mundo, por conta da projeção que receberam em suas profissões de escritora e editor, respectivamente, agora circulam entre o apartamento e o hospital, como se segurassem uma ampulheta com a própria vida dentro.


Por mais que o corpo já estivesse demonstrando os efeitos do câncer e até mesmo a falta de resposta ao tratamento de quimioterapia fosse uma resposta, ambos seguiam tentando ignorar o fim, com uma certeza escandalosa de que estavam enganando a si mesmos.

Como eu olho em seus olhos e ao mesmo tempo, o tempo todo, sei que você vai morrer. Temos sido eu e você e a morte há muito tempo. Mas, de certa maneira, somos eu e você, e a morte do outro lado, porque nós não falamos sobre a morte. Não entendo como você consegue não falar sobre ela. Só poso acreditar que em algum lugar dentro de você, você está pensando sobre isso. Você não fala para me poupar? Assim, vamos ficar os dois com ela, sozinhos.
“Ti amo” é uma obra onde só existem perguntas. Perguntas estas que talvez nunca tenhamos uma resposta satisfatória, mas que sempre emergem quando perdemos alguém. O bonito da obra é a forma como a autora utiliza da escrita e da literatura para investigar a dor e tudo aquilo que soa injusto durante nossa existência e quando não há mais o que dizer, o “ti amo” entra quase como vírgula e única possibilidade de eternizar aqueles que vão embora antes de nós.