Nezinho, o ufanista do Lucas Picchioni (Editora Quixote+DO, 2024) é uma novela que brinca com o insólito, o absurdo, o ultrajante e o grotesco através de um texto irônico e engraçado. O autor aposta no exagero para nos ambientar na fictícia cidade de Itupirá e na vida de personagens impagáveis. É um texto gostoso de ler, tanto pela dose de humor, como pela exploração de uma “atmosfera” que só existe nas pequenas cidades do interior de Minas. As situações narradas e até mesmo os nomes das personagens, nos transportam para um universo que ao mesmo tempo é exagerado e muito familiar.


Itupirá não era uma cidade grande. E não tinha nada e especial também. Era como qualquer outra cidade do norte de Minas Gerais. Possuía uma igreja, uma praça com um coreto, a prefeitura, a delegacia, as ruas de paralelepípedo e o rio. Esse último, sim, o grande atrativo da frugal cidadezinha.
Quando o prefeito Nezinho, recebe um comunicado da visita do presidente da república para inauguração de uma obra, ele vê seu lado ufanista exaltado, mas também diante de um grande entrave, uma vez que os cofres públicos estão completamente defasados para uma cerimônia desse porte. Após esgotar todas as possibilidades de empréstimos, aparece uma oportunidade inusitada e que ao mesmo tempo que pode solucionar a questão, também pode se transformar em um grande escândalo com potencial de destruir sua vida política.

Surpreendido com a notícia da visita do presidente, o prefeito Nezinho deseja recebê-lo com uma grande festa. Com os cofres públicos vazios, não lhe resta outra alternativa senão pedir um empréstimo para Dona Patrocínio, a mais conhecida cafetina da região. Mas o que deveria ser segredo vem à tona, iniciando um grande alvoroço na cidade.
Lucas Picchioni nos diverte com a construção de diálogos hilários e que escancaram um modo de fazer política que está no cerne da vida pública brasileira. Lucas poderia ter escolhido escrever um texto com um viés de denúncia ou de manifesto, mas ao escolher flertar com o cômico, o deboche e o exagero, características que conseguimos perceber na escrita de figuras como Jorge Amado e o próprio Machado de Assis – ele alcança os leitores de uma maneira diferente.

A construção dos personagens é algo marcante da obra, pois eles são muito bem explorados. Alguns deles possuem seus próprios capítulos, o que nos aproxima de suas histórias e intenções. Passeamos pela vida de “Nezinho, o ufanista”, “Madame Patrocínio, a libertina”, “Heronildes, o gatuno”, “Bené, o órfão”. Circulam também pelas páginas figuras hilárias como Alzira Batalha e Jacinto Amargo Pinto. Assim, o autor nos presenteia com momentos inesquecíveis como o trecho a seguir:

Em casa, quem cuidava de tudo era Dona Brígida, chamada por muitos de Dona Rígida. Rigidez na forma de ver o mundo. Católica devota e praticante, estava mais alinhada com os princípios cristãos do que o próprio Papa Pio XII. Gabava-se por saber os mandamentos de cor e salteado e vivia na igreja, infernizando a vida de Padre Aldo, a quem se referia como ´padre comunista´. Não era verdade, o clérigo era anarquista, todavia se decidiu tarde demais e já não sabia como ter outro sustento. A necessidade o mantivera vigário.
Lemos as peripécias do povo de Itupirá com um sorriso no rosto, por vezes uma gargalhada, mas também com uma vergonha sempre presente, que fica com a cabeça levemente encostada em nosso ombro. Através das pessoas, do cenário e do cotidiano da cidade de Itupirá, o narrador fala também sobre o Brasil e toda sua hipocrisia.