Os dois morrem no final do Adam Silveira (Editora Intrínseca, 2021) é uma história que encontrou uma maneira engenhosa de falar sobre a morte. Uma das certezas que temos na vida é a de que vamos morrer e no universo de “Os dois morrem no final” os personagens sabem o dia exato que isso irá acontecer. É uma distopia onde existe uma instituição chamada “Central da Morte” que liga para as pessoas avisando que elas morrerão nas próximas 24 horas. A partir do alerta essas pessoas passam a serem chamadas de “terminantes” e precisam escolher como passarão suas últimas horas.


Olá, aqui é a Central da Morte. Sinto muito em lhe informar que em algum momento ao longo das próximas 24 horas você terá um encontro prematuro com a morte. Em nome de toda a equipe da Central da Morte, sentimos muito a sua perda. Aproveite este dia ao máximo, está bem?
Acostumados a esse sistema que prevê o dia da morte, mas não a causa, toda a sociedade e as instituições se organizaram para acolher os terminantes. Em seu último dia eles tem acesso a alguns serviços gratuitos, existem “parques temáticos” oferecendo experiências radicais e seguras, aplicativos e demais serviços para que cada terminante passe seu último dia com dignidade.

Mateo Torrez e Rufus Emeterio, os dois garotos que morrem no final, não se conhecem, mas receberam o alerta da Central da Morte no mesmo dia. São dois adolescentes que esperavam tudo, menos a visita da morte em tão tenra idade. Quando recebem a ligação, após o susto inicial, passam a colocar a vida em perspectiva e vão percebendo que mesmo diante de um anúncio de morte, a única opção que lhes resta é viver.

Mateo e Rufus possuem personalidades bem diferentes. Mateo é um garoto tímido, que sempre evitou correr grandes riscos, com sensibilidade e gentileza afloradas e que tem o seu quarto e sua própria casa como refúgio. Já Rufus é um garoto que se sente vivo quando está em movimento, nas ruas, montado em sua bicicleta e rodeado por seu grupo de amigos que ele chama de “os plutões”.



O ponto em comum entre os garotos são suas histórias de perda, de luto e a maneira que lidam com isso. Mateo é órfão de mãe e no ponto em que a história do livro começa o seu pai, única referência de família, está em coma no hospital. Como seu pai não recebeu o alerta da Central da Morte, Mateo tem a certeza de que ele poderá despertará a qualquer momento.

A Central da Morte está me ligando com o aviso mais importante que recebemos durante a vida: vou morrer hoje. Esquece, “aviso” é uma palavra forte demais, já que avisos em geral sugerem algo que pode ser evitado, como um carro buzinando para um pedestre que atravessou a rua no sinal vermelho, dando a ele a chance de se afastar; isso é mais como um alerta.
Rufus perdeu toda a sua família em um trágico acidente. Carrega a dor de ter se despedido de seu pai, sua mãe e sua irmã e ter sido o único sobrevivente da família. Essa perda deixou marcas profundas em Rufus. Ele precisou se mudar para uma espécie de abrigo, lugar onde conheceu “os plutões”.

A Central da Morte está me ligando enquanto eu bato sem parar no novo namorado da minha ex. Ainda estou em cima do cara, pressionando seus ombros com meus joelhos, e a única coisa que me impede de continuar esmurrando os olhos dele é o barulho vindo do meu bolso, aquele toque alto da Central da Morte que todo mundo já conhece seja por experiência própria, pelos noticiários ou por causa de qualquer programa de merda que usa o alerta para efeitos dramáticos.
A vida dos dois garotos se cruza quando ambos decidem baixar um aplicativo exclusivo para terminantes que querem encontrar uma companhia para passar as últimas horas. Os terminantes que entram no aplicativo, buscam por algo que recebe a alcunha de “o último amigo”. É um espaço onde você pode encontrar a companhia tanto de um outro terminante, como de pessoas solidárias à situação e que doam seu tempo para amenizar a solidão dos últimos momentos.

A partir do momento que Mateo e Rufus se encontram, partimos em uma jornada interessante de autoconhecimento, de revisitação de dores e traumas e que demonstra o poder do amor, da amizade e da conexão entre as pessoas. A história explora a importância dos laços de afeto que criamos durante toda a vida em toda a sua diversidade.

A morte aparece na história como uma porta de entrada para tratar de temas diversos. Para além do clichê de que devemos viver a vida como se não houvesse amanhã, existe um aspecto importante no livro que se refere a própria discussão sobre a vida e sobre o tempo que perdemos com alguns medos. Com a perspectiva do fim Mateo e Rufus acabam encontrando apenas desejo de viver, não por mais algumas décadas, mas viver bem pelas poucas horas que lhes restam.

Como os dois decidiram usar da melhor forma suas últimas horas de vida, acompanhamos os garotos pela cidade com bastante ansiedade. Mateo e Rufus vão morrer e como não sabem qual será a causa da morte, precisam caminhar com cautela, evitar qualquer tipo de perigo e quando pensamos no contexto de uma cidade grande sob a perspectiva de um terminante, o perigo parece estar em toda parte.

O livro tem uma estrutura interessante. Cada capítulo apresenta uma voz narrativa diferente e a versão dos fatos de um mesmo momento por pontos de vistas diferentes. Em um capítulo temos o olhar de Mateo sobre Rufus, para em seguida acessarmos os pensamentos de Rufus sobre Mateo e essa escolha narrativa enriquece a trama e a construção dos personagens. Entendemos as suas intenções, seus medos e assim como os dois garotos ficam íntimos em apenas um dia, nós também nos sentimos próximos dos garotos e por mais que a gente já saiba que os dois morrem no final, acabamos torcendo para que isso não aconteça.