O primeiro a morrer no final do Adam Silvera (Intrínseca, 2022) é o segundo volume de uma saga iniciada com “Os dois morrem no final”. No primeiro livro, vemos uma sociedade que aprendeu a lidar com a existência da Central da Morte, empresa que alerta as pessoas sobre o dia que vão morrer e que estabeleceu diversos serviços de apoio aos chamados “Terminantes” para que eles tenham o melhor Dia Final possível - ainda que ninguém saiba como a instituição consegue prever as mortes. No segundo livro, o autor nos leva para sete anos antes dos acontecimentos do primeiro volume, no exato dia em que a Central da Morte está começando oficialmente a operar com um grande evento de inauguração na Times Square. O dia é 30 de julho de 2010. Com esse pano de fundo, conhecemos um pouco dos bastidores da empresa e os diversos embates éticos, morais e sociais que rondam o tema da morte.



A narrativa se desenrola em apenas um dia e por conta da boa escrita de Adam Silvera, 24 horas se tornam mais que suficientes para que a gente se apegue aos personagens. No centro da trama estão os jovens Valentino Prince e Orion, que vão precisar lidar com a eminência da morte por perspectivas completamente diferentes. Um dos grandes ganhos da história é a maneira responsável e reflexiva com que a morte é apresentada, principalmente se pensarmos em seu público alvo, que são os jovens adultos. O livro parte das experiências pessoais de cada personagem com a perda para “justificar” a forma que lidam com a morte quando ela encosta.

Apesar da temática da morte ser o fio condutor de toda a história e se apresentar inclusive no título, o livro se presta a fazer uma espécie de ode á vida. O fato do anúncio da morte já se apresentar no título, como se fosse um spoiler, é uma estratégia interessante para demonstrar a inevitabilidade do fim. Partindo da premissa de que “a vida não deveria estar prestes a acabar para alguém começar a viver”, os caminhos dos personagens e o temido alerta de morte servem de alegoria para falar sobre a potência de uma vida bem vivida. Pensando assim, saber quem vai morrer deixa de ser o ápice da obra. O que passa a importar é o que cada terminante fará de suas últimas horas de vida.

Eu não estou morto, mas com frequência sinto como se levasse uma vida de quase morte. Sei que aquele ceifador maldito se aproxima cada vez mais. É quase como se morasse junto com a gente: começou se acomodando no sofá, depois se sentiu sozinho e veio dormir num colchão inflável no meu quarto, mas sua ceifa furou o colchão, e ele passou a dormir de conchinha comigo na minha cama de solteiro. Eu sinto a respiração da morte na minha nuca, mas ainda estou aqui. 


Em “O primeiro a morrer no final” o Adam Silvera conseguiu explorar duas facetas que dão um grande fôlego para a continuidade da saga: a costura de personagens do primeiro livro com o segundo e o mistério sobre a natureza da metodologia de previsão da Central da Morte. Sabemos que ela é eficaz, mas não sabemos se surge da ordem das ciências ou do místico. 

De forma criativa, alguns personagens centrais de “Os dois morrem no final” cruzam o caminho dos personagens de “O primeiro a morrer no final”. Quem leu o primeiro livro, que tinha Rufus e Mateo como personagens centrais, irá reencontrá-los num passado recente, ainda crianças, e outros personagens importantes da trama. A forma como aparecem, além de nos dar mais detalhes sobre suas vidas e justificar alguns acontecimentos, acabam se tornando fundamentais para expansão da saga. É em um desses cruzamentos de personagens que a criação do aplicativo “Último Amigo” (fundamental no primeiro volume) tem sua origem apresentada. A personagem responsável por sua criação é mostrada de forma muito breve no primeiro livro, e no segundo ela já aparece em uma posição de destaque, onde conhecemos a motivação do surgimento do aplicativo.

Outro ponto relevante da obra é a apresentação da cidade de Nova York como personagem. Adam descreve a cidade com tanta intimidade, em sua glória e decadência, que nos sentimos inseridos em cada uma das ruas, esquinas e estabelecimentos que ele nos leva para visitar. A exploração urbana se mescla à exploração das diversas possibilidades de viver e isso nos coloca diante da realidade do quanto somos seres sociais. Quando cada terminante decide viver, é nos braços da cidade que eles se jogam.

Agora, abrindo o portão do prédio, me armo da coragem necessária para enfrentar o que espero que seja o melhor Dia Final que um terminante possa viver.

São muitas as vozes apresentadas em “O primeiro a morrer no final” e essa gama de pontos enriquece a história. No primeiro volume a Central da Morte era apenas um mistério que firmou seu lugar no mundo pela eficiência das previsões. No segundo volume Joaquin Rosa, o criador da instituição, é uma das vozes narrativas que aumenta ainda mais o mistério e aumenta a ansiedade dos leitores em relação ao segredo da procedência das previsões. Uma outra voz importante que surge é a dos telefonistas responsáveis por fazer os alertas de morte, chamados mensageiros.

A Central da Morte não ligou para Rolando Rubio, porque ele não vai morrer hoje, mas, segundo seu chefe, se alguém morrer sem saber que está vivendo seu Dia Final, a culpa será toda de Rolando. Só porque ele passou tempo demais no telefone com um Terminante. Que o universo o perdoe por se importar e lamentar a perda de um desconhecido.

Na intersecção entre vida e morte cabe tudo. Assim, Adam Silveira explora em seu livro temáticas diversas e com a licença poética de exagerar em cada sentimento, descoberta e sensação, uma vez que o livro passeia no limiar entre as pulsões de vida e morte. Na história cabe tudo, pois quando olhamos para a face da morte enxergamos a vida toda.