Os Sofrimentos do jovem Werther do Johann Wolfgang von Goethe (TAG Experiências Literárias, 2022) é um romance clássico considerado um dos pioneiros do romantismo alemão e envolto em histórias que vão para além da obra em si. O livro foi lançado originalmente em 1774, em um período onde predominava nos discursos, nos códigos sociais e na própria literatura um apego ao racionalismo. Goethe subverte o cenário ao apresentar uma história e um personagem que aos poucos vai se entregando a um estado de completo descontrole devido a um amor não correspondido. Werther carrega consigo uma intensidade e uma entrega a sentimentalismos (que também vão para além do amor) que influenciaram muitos jovens escritores a apostar em uma escrita artística e sensível. Como seria dito nos dias de hoje, Werther é um emocionado.


Alguns livros se tornam verdadeiros fenômenos literários, e por vezes, são vinculados a acontecimentos trágicos. “O apanhador no campo de centeio” do J.D Salinger, por exemplo, é apontado por muitos como desencadeador de uma série de crimes violentos, sendo o mais famoso deles o assassinato de John Lennon. “Os Sofrimentos do jovem Werther” é associado a uma onda de suicídios que dizem ter ocorrido em sua época de lançamento. Esse é um fato que não pode ser comprovado por nenhum tipo de registro, mas que paira como um fantasma sob a obra. O livro chegou a ser considerado maldito pela igreja católica, foi proibido em países como Itália e Dinamarca e mais tarde a psicanálise cunhou o termo “efeito Werther” para falar sobre uma possível tendência de o suicídio ser algo “contagioso” e que pode ser incentivado se falarmos sobre ele.

Uma outra nuance que demonstra o impacto da obra de Goethe como fenômeno literário é que os jovens da época passaram a organizar animadas rodas de leitura, onde se reuniam para ler em voz alta alguns trechos e apreciarem a força poética do texto. Era comum também que eles se vestissem assim como o personagem Werther.

Não é segredo para ninguém o desfecho de “Os Sofrimentos do jovem Werther”, justamente pelo impacto que a obra tem e pela temática que aborda. O livro termina com o suicídio de Werther, após não conseguir lidar com um amor não correspondido. O clímax da obra não é a morte em si, mas o processo que o leva a ela. Apesar da grande polêmica gerada e esse caráter de fenômeno literário, onde a ficção ganha contornos inimagináveis na vida real, o pequeno romance também é visto pela crítica como um dos mais grandiosos da literatura alemã.

É muito fácil chegarmos à conclusão de que Goethe, ao escrever a história, não poderia imaginar o que fariam com os ecos da leitura, uma vez que entendimentos, sentimentos e interpretações que fazemos de uma narrativa são muito íntimos. Acredito que talvez o que tenha propiciado essa espécie de “histeria coletiva” é o simples fato de que o livro tocou em um assunto que se ainda hoje é tabu, imagina em meados de 1774? Ao acessarem os sofrimentos de Werther, as pessoas puderam de alguma forma projetar as próprias angústias, que por não serem tema de análise emergiram da única forma possível - caótica e sem elaboração.

O que é o homem, esse semideus louvado! Não lhe faltam as forças precisamente no momento em que mais precisa delas? E quando ele toma voo na ventura, ou afunda na tristeza, não será ainda aí limitado à força e sempre reconduzido ao sentimento de si próprio, ao triste sentimento da sua pequenez, justo quando contava perder-se na imensidão do infinito?

Fato incontestável é a qualidade do texto de Goethe. Para além da excelência literária de um dos maiores nomes da literatura mundial, temos em mãos uma obra que revolucionou ao falar de forma bastante intensa sobre sentimentos. Werther é um personagem que ou você ama ou você odeia, justamente por conta de sua personalidade e forma de ler o mundo e as pessoas. Werther é exagerado e não tem vergonha de sê-lo. Até a natureza reflete a alma de Werther e, por vezes, podemos dizer que ele é um homem desapegado da realidade.

A vida humana não passa de um sonho. Mais de uma pessoa já pensou nisso. Pois essa impressão também me acompanha por toda a parte. Quando vejo os estreitos limites onde se acham encerradas as faculdades ativas e investigadoras do homem, e como todo o nosso trabalho visa apenas a satisfazer nossas necessidades, as quais, por sua vez, não têm outro objetivo senão prolongar nossa mesquinha existência; quando verifico que o nosso espírito só pode encontrar tranquilidade, quanto a certos pontos das nossas pesquisas, por meio de uma resignação povoada de sonhos, como um presidiário que adornasse de figuras multicoloridas e luminosas perspectivas as paredes da sua cela… tudo isso, Wilhelm, me faz emudecer. Concentro-me e encontro um mundo em mim mesmo! Mas, também aí, é um mundo de pressentimentos e desejos obscuros e não de imagens nítidas e forças vivas. Tudo flutua vagamente nos meus sentidos, e assim, sorrindo e sonhando, prossigo na minha viagem através do mundo.
A narrativa inicia com Werther recluso em uma região interiorana, onde aparentemente está tratando de questões burocráticas de sua família. Como era comum na época, sua principal forma de comunicação era através de cartas. Através da estrutura de cartas, enviadas a um amigo, conhecemos sua excentricidade e intenso estado de sofrimento. Na primeira parte do livro temos um Werther contemplativo e na segunda um homem em processo perigoso de declínio. Como Werther já possui uma personalidade romântica, esse fato ganha contornos ainda maiores e confessionais que só um desabafo a um amigo permite.

Assim, ele não tem medo de dizer tudo o que sente e nós ficamos ali, como intrusos, como violadores de uma correspondência que não nos diz respeito, assim como a causa, a intensidade e o que uma pessoa faz do próprio sofrimento também não nos diz respeito. Werther vive até onde pôde aguentar, e lidando com uma impossibilidade de dizer na exata medida sobre a intensidade do que se passava dentro, mas ainda assim não deixou de buscar. O suicídio então se apresentou como o único conforto possível.