A irmã da tempestade: a história de Ally da Lucinda Riley (Arqueiro, 2015) é o segundo volume da série “As sete irmãs” que narra a busca de cada uma delas por suas origens após a morte do pai adotivo. Utilizando de algumas pistas deixadas pelo pai através de coordenadas geográficas, uma carta e alguns outros vestígios, cada uma delas precisa decidir se quer ou não conhecer seu passado e as motivações de terem sido entregues à adoção, por isso os enigmas. Pa Salt, como era chamado carinhosamente pelas filhas, parece deixar um recado de que é só através da busca por suas origens que as suas filhas poderão enfrentar os problemas que encontram no presente. No caso de Ally um dos recados do pai diz que “em momentos de fraqueza, você vai encontrar sua maior força”.


As sete irmãs Maia, Ally, Estrela (Asterope), Ceci (Celeno), Tiggy (Taígeta), Electra e Mérope (desaparecida), foram nomeadas assim em homenagem à mitologia das sete irmãs e a constelação das Plêiades, a mais próxima do cinturão de Orium. Elas são pegas de surpresa com o falecimento do pai e se reencontram em Atlantis, a mansão em que foram criadas com muito carinho por Pa Salt e a governanta Maria. Se a própria existência de Pa Salt sempre fora cercada de um grande mistério, inclusive pela escolha de adotar as irmãs, as circunstâncias de sua morte são um mistério ainda maior, ponto que vai ficando ainda mais instigante após cada volume dessa saga familiar.

No primeiro volume, conhecemos a história de Maia, a primeira irmã. A narrativa nos leva a visitar um outro país e também a viajar no tempo, pois para entender a história de Maia, era preciso entender as gerações de uma mesma família e a cultura de um lugar - no caso o Brasil.

Em “A história de Ally” não é diferente. Após ler a carta de Pa Salt e se deparar com aquelas pistas inicialmente impossíveis de se entender, Ally demora a se decidir por seguir as informações e só após alguns acontecimentos é que decide embarcar para a Noruega, onde sua possível origem familiar possui raízes. É interessante ler os livros na ordem, pois Lucinda faz algo bem empolgante que é terminar cada volume inserindo a história da próxima irmã e durante toda a narrativa, alguns diálogos que aconteceram no primeiro livro, voltam a acontecer no segundo. O mesmo diálogo ou acontecimento que tiveram Maia, a primeira irmã como protagonista são reescritos no segundo volume sob o olhar de Ally, uma vez que as histórias partem de um mesmo ponto: o reencontro das irmãs em Atlantis. 

Uma outra característica da obra de Lucinda é que ela  se debruçava em uma pesquisa sobre os locais para os quais leva a história de cada uma das irmãs. Quando levou a personagem Maia para o Brasil, o leitor consegue perceber que fora feito um estudo muito atento sobre a cultura e os costumes do nosso país para inserir a personagem de forma crível no tempo e espaço. No segundo livro, Lucinda nos leva junto com Ally, a segunda irmã, para uma viagem pela história da Noruega e com uma forte exploração da relação do país com a música clássica e a guerra.

A escritora utiliza de alguns contextos e personagens históricos reais. De forma audaciosa ela insere sua personagem principal no arco de grandes musicistas e demais artistas da Noruega, como os responsáveis pela estreia de uma das óperas mais famosas do mundo, a suíte Peer Gynt, do compositor Edvard Grieg. Entre os personagens reais estão figuras como Edvard Grieg e Henrik Ibsen.

Edvard Hagerup Grieg foi um compositor e pianista norueguês. Ele é amplamente considerado um dos principais compositores da era romântica, e sua música faz parte do repertório clássico padrão em todo o mundo. O uso e o desenvolvimento da música folclórica norueguesa em suas próprias composições colocam a música norueguesa no espectro internacional, além de ajudar a desenvolver uma identidade nacional. Grieg é considerado simultaneamente nacionalista e cosmopolita em sua orientação, pois embora tenha nascido em Bergen e lá enterrado, ele viajou muito por toda a Europa e considerou sua música uma expressão tanto da beleza da vida.
Henrik Ibsen é considerado um dos precursores do teatro moderno. Nasceu a 20 de março de 1828, em Skien, na Noruega. Pertencia a uma família numerosa e arruinada. Os seus interesses iam, contudo, para a política e para a literatura. As suas primeiras obras-primas, Brandt (1866) e Peer Gynt (1868) evidenciam a atração pela dialética dos extremos opostos, resumida na expressão "ou tudo ou nada". O autor valoriza a manifestação da vontade e da personalidade humanas, atacando a cobardia e o espírito conformista.



Lucinda deixa nítido no texto de agradecimento do livro que por mais que utilizasse de personagens reais, a personalidade de cada um deles fora retirada de sua imaginação. A forma como ela os descreve enquanto indivíduos não tem qualquer relação com a realidade e estão ligados a forma como eles adentraram em sua vida. A suíte Peer Gynt, por exemplo, faz parte da memória afetiva de Lucinda. Seu pai voltou com um LP após uma viagem à Noruega e segundo suas próprias palavras a obra se tornou uma música de fundo de sua infância.

O destino de Ally tem uma grande ligação com o de uma outra mulher que se quer ela sabia já ter existido. Ao voltarmos no tempo em algumas gerações, saberemos que Ally faz parte da mesma linhagem da cantora Anna Landvik, que há mais de cem anos participou da estreia da obra Peer Gynt. O detalhe fantástico é que inicialmente Anna era apenas uma voz fantasma que ficava por trás da cortina, nas coxias, enquanto uma outra atriz dublava sua bela voz. Esse foi mais um elemento real que Lucinda captou para sua história, pois em sua pesquisa acabou descobrindo que verdadeiramente existia uma “voz fantasma” nas primeiras apresentações de Peer Gynt e que sua identidade é desconhecida ainda hoje.

Anna se apaixona loucamente por um jovem músico chamado Jens Halvorsen que também faz parte da montagem da obra e que é quase uma personificação da própria história contada na suíte Peer Gynt. Esse encontro irá mudar completamente o rumo da história de Anna e irá repercutir em cada uma das gerações seguintes.

Enquanto a personagem Ally investiga seu nascimento, outras histórias vão se revelando, outras gerações vão despontando, em uma saga que fala sobre amor, morte, perdas, a paixão pela música, a destruição da guerra e os encontros e reencontros que a vida promove. Para embarcar na escrita da Lucinda é preciso estar disposto a romper as barreiras entre passado e presente e mergulhar sem medo em um universo detalhista, repleto de personagens e de pistas que serão importantes para os demais volumes da série.