Irmãos pretos do Hannes Binder e da Lisa Tetzner (SM Editora, 2006) é um livro clássico da literatura juvenil alemã. Foi escrito pela Lisa Tetzner em meados de 1941 em parceria com seu marido Kurt Held que na época era proibido de publicar por ser de origem judaica. O livro conta a história de um garoto chamado Giorgio que vivia em Sonogno, no Cantão de Ticino, região italiana da Suíça e que devido à seca e a miséria acaba sendo vendido por sua família para trabalhar em Milão como limpador de chaminés. A decisão da família nesse caso não se refere a descaso ou abandono, mas sim a uma estratégia de sobrevivência. É um livro empolgante e possui arcos narrativos interessantes que ao mesmo tempo consegue resgatar um contexto histórico análogo à escravidão que ocorreu na Itália entre 1800 e 1920.



O que encontramos em “Irmãos pretos” é algo que faz parte da história da Suíça, portanto, é uma narrativa que se baseia em pesquisa histórica para utilizar a ficção também como um veículo de registro, memória, informação e conscientização. Existia um verdadeiro comércio de crianças e adolescentes para realizar trabalhos braçais nas grandes cidades. No caso de “Irmãos pretos” acompanhamos a jornada de um grupo de crianças, todos por volta dos 13 anos, que vão para a cidade para limpar chaminés, um trabalho de extremo risco. Eles tinham que se esgueirar por dentro de chaminés, por vezes ainda quentes, para desobstruir a passagem e evitar que a fumaça voltasse para dentro das casas. Um trabalho de crianças escravizadas para atender comerciantes e a elite.

Através das vivências de Giorgio e de sua relação com a família que o compra, vamos conhecendo um pouco mais das agruras e dos riscos que esse trabalho forçado trazia para as crianças. Além da jornada pesada de trabalho, Giorgio é obrigado a dormir num porão, literalmente atrás de grades e a se alimentar com o que “seus donos” quisessem dar. Portanto, a saúde estava sempre em risco, tanto pela má alimentação quanto pelo contato direto com a fuligem das chaminés apertadas, o descaso e a violência das ruas.

Giorgio fecha os olhos. Ele vai tateando até o primeiro ferro, lança-se para cima. A fuligem se desprende, despena como um riacho por cima dele, escorrega por suas costas. Giorgio continua subindo. Encontra os buracos. Cutuca dentro deles, retira a fuligem, continua a subir. A chaminé vai se estreitando. Os olhos começam a arder. Estão cheios de fuligem. O nariz entope. Giorgio só consegue respirar pela boca. Sente tonturas. Com os pés, escorrega de volta.


Apesar de todo o peso do cotidiano e do trabalho, Giorgio encontra um pouco de alento em algumas pessoas que atravessam seu caminho. A filha adoentada do casal que o explora logo se afeiçoa ao menino e, por vezes, o alimenta as escondidas. Ele também estabelece uma forte amizade com um dos garotos que chegaram a Milão junto com ele e que o apresentará a uma empolgante possibilidade de resistência, assim como um médico que o atende após ele quase morrer ao sair de uma chaminé – um médico com preceitos humanos e que não se conforma com a situação que aquelas crianças se encontram.

“Os irmãos pretos”, assim são chamados por andarem sempre cobertos por fuligem e esse fato acaba se tornando uma marca deles dentro da sociedade e também motivo para mais perseguição e exclusão social. Mas também se tornará um grande símbolo de resistência.

A edição que hoje temos em mãos é ainda mais rica, pois, 70 anos após a publicação da primeira edição de irmãos Pretos, o ilustrador suíço Hannes Binder embarcou em um projeto para transformar a história em um romance ilustrado. As ilustrações de Binder transformaram a obra em algo singular, rico em referências da época e recebeu vários prêmios pela qualidade das imagens.