Uma visita inesperada com texto do Samuel Medina e ilustrações do Luiz Henrique Evaristo (A Mascote, 2021) é um livro incrível por diversos motivos, mas gostaria de destacar dois: por apostar em uma história fantástica que versa sobre bruxas, magos, feitiços, poções, elixires e outros elementos mágicos e por ousar falar de forma leve, poética e inteligente sobre um tema que muito nos assombra: a morte. Se a nossa cultura já carrega um grande tabu quando o tema é a morte, imagina quando os interlocutores da mensagem são as crianças?



Samuel Medina utiliza de forma criativa de seu repertório como escritor e contador de histórias para tecer uma narrativa que nos conecta com a beleza dos contos de fadas. Os contos maravilhosos oferecem inúmeras possibilidades imagéticas para tratar sobre a morte de maneira a contribuir com a forma como as crianças podem lidar com a finitude.

Na história a bruxa Mafalda, que ostenta nada mais que 999 anos, seguia sua vida de forma muito mais tranquila do que aquilo que imaginamos sobre a vida de uma bruxa, e mesmo sendo famosa e considerada uma das feiticeiras mais audaciosas pela idade, e principalmente por não aparentar a idade que tem. O segredo da sua jovialidade é um grande mistério para todos e até mesmo para Mafalda. Boatos creditam a façanha a uma rotina inusitada da bruxa:

Mafalda, toda manhã, antes mesmo do café, abre as janelas da casa e canta uma música nova a cada alvorecer, única, melodia nascida de sua alma, expressando toda a alegria de ter um dia a mais como presente
Até que chega o dia em que Mafalda recebe a visita daquela que é chamada por muitos nomes e que visita a todos nós. Contrariando os estereótipos de como deve ser a eminência do momento da morte e a própria representação da mesma, o livro parte para um outro caminho. As metáforas aparecem não para fugir da morte enquanto uma certeza, mas para mostrá-la como uma das vivências que iremos enfrentar utilizando de personagens que fascinam a infância e a juventude a séculos.


A morte não chega como uma ceifadora portando capa e foice e sim como uma simpática senhora de vestido colorido pronta para um diálogo sobre vida e morte. A bruxa não aparece como uma aparição monstruosa, mas sim como uma mulher educada, de temperamento doce e ocupada com seus dias.

A própria Mafalda se mostra surpresa em um trecho da obra em relação à aparência da morte ao qual ela responde com um dos trechos mais bonitos do livro:

Saiba, porém que a minha aparência é esta mesmo... para você. Eu sou como um espelho, Mafalda. Se você não viu foice ou caveira escondida com capuz, é porque essa imagem não tem espaço em seu coração.
A metáfora da imagem da morte como um espelho nos leva a diversas reflexões. Olhando para nossa própria cultura e os tabus que foram criados em relação ao fim, a ideia do espelho explica muito bem a forma como lidamos com ela. Aprendemos a olhar para a morte antes de tudo como dor e sofrimento, portanto, é essa a imagem que é projetada quando a contemplamos.