Antiquário do Igor Tavares (Esqueça Edições, 2021) é um livro que reúne seis contos que giram em torno de objetos. O autor coloca em cima da mesa uma arandela, um punhado de moedas, uma cruz, uma taça, uma caixa de sapatos, um peso de porta e na mística mais fascinante que essa palavra possa representar o autor parte da observação, da nossa relação com coisas animadas e inanimadas para colocar em prática o simples e rebuscado ato de contar histórias.
É muito comum tentarmos nomear tudo que está a nossa volta. Isso nos dá uma sensação de entendimento das coisas, de controle da situação, de alívio perante o desconhecido e as vezes até a falsa ideia de que sabemos o que estamos fazendo. O interessante das narrativas de Antiquário é que Igor Tavares consegue virar essa lógica um pouco do avesso. Ele pega seis objetos que já sabemos bem o que são, o que significam e para que servem para inseri-los dentro da incompreensão, para dar uma outra função.
A arandela não está aqui para iluminar, as moedas não aparecem como esquema de troca, a cruz não vem com status de conexão com o sagrado, a taça não é apenas um repositório de bebida, a caixa de sapatos não guarda calçado dentro e o peso de porta elevou sua função a um outro grau. Cada um dos objetos que dão nomes aos contos do livro se desconfiguram de sua função e sua forma para virar metáfora de coisas fundantes. A partir da primeira página do primeiro conto não interessa qual é a funcionalidade de cada objeto, mas sim como ele se insere no cotidiano das personagens como um elemento constituinte do exercício de viver.
Objetos não são nada desconectados de pessoas e de vivências e essa realidade se apresenta no livro ao fazer uma conexão entre pessoas e a manutenção de uma memória que também é afetiva. Ao colocar cada um dos objetos do livro como ponto de partida das memórias o autor faz ao mesmo tempo uma homenagem a um dos elementos que nos humaniza: as histórias. Um bom contador de história busca um ponto de partida para embarcar numa viagem que pode ser tão densa como o próprio pensamento e quando história, escrita e memória se encontram ficamos diante da própria vida em movimento.
Havia tanto sofrimento no mundo que sua parte talvez fosse lançar baldes de tinta em telas acinzentadas, embalar causos, enfeitar o mundo pela voz de um avô que senta-se numa fogueira e, como quem não quer nada, diz aos netos: - vou contar uma história para vocês.
Antiquário, assim como as demais obras de Igor Tavares, explora diferentes formas de contar uma história com um pé na realidade e outro no fantástico, um pé no afeto e outro na indignação, um pé no certo e um pé no errado. É uma mesa posta, um altar de possibilidades onde você pode rezar pela razão que bem desejar.
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