Noites brancas do Fiódor Dostoiévski (Editora 34, 2009) é uma novela que foi publicada em meados de 1948 trazendo fortes características do romantismo, o que é visto por muitos estudiosos como uma espécie de nado contra a maré de Dostoiévski, uma vez que o que muito se lia na época eram os romances de cunho mais social e político. Em “Noites Brancas” o autor parece propositalmente experimentar um retorno às origens da literatura romântica com toda a pompa que o estilo pede. A proposta narrativa em si é algo simples e que ganha contornos mais rebuscados pelos diálogos intensos. As características românticas aparecem também na construção das duas personagens principais com seus devaneios e reflexões sobre a vida e numa espécie de personificação da cidade. São Petersburgo é vista como lugar e como testemunha.


A obra foi escrita por um Dostoiévski ainda jovem, com apenas 27 anos. Encontraremos alguns elementos diferentes se compararmos com seus livros mais famosos e consagrados. Noites Brancas resvala pelo campo de um discurso da reflexão sobre a vida, sobre os sonhos, sobre a efervescência do amor e da busca por uma razão que pode ser tanto em relação à um propósito de vida, quanto ao entendimento dos códigos sociais e as ironias que vivem por trás deles.

Dostoiévski era um autor que não tinha medo dos excessos. Se a narrativa pede um personagem sonhador, este será extremamente sonhador. Se pede um personagem triste, ele será extremamente triste. Existe sempre um drama a cada página, um estilo onde o emocional faz papel de vírgula e as expressões beiram o drama teatral.

E lembrar-me que os sonhos de então eram tristes, e embora não fosse melhor, de algum modo sentia que viver era mais fácil, mais tranquilo, que não havia esse pensamento negro que agora se apegou a mim; que não havia esses remorsos, esses remorsos lúgubres e sombrios que agora não dão descanso nem de dia nem de noite. E me pergunto: onde é que estão os seus sonhos? E balançando a cabeça, digo: como os anos voam depressa! E novamente me pergunto: mas o que você fez dos seus anos? Onde sepultou a sua melhor época? Você viveu ou não? Veja, digo a mim mesmo, veja como o mundo está ficando frio.

O livro é permeado por encontros e diálogos entre dois jovens que ao contarem suas próprias histórias revelam muito sobre a época em que o livro foi escrito e também sobre sentimentos e emoções que parecem ser inerentes à juventude. Ainda que os sentimentos apareçam algumas vezes de forma tão exagerada que beira a paródia, podemos perceber uma intenção do autor de dar voz a essa efervescência que é o desejo de amar e de viver da juventude.

Um ponto alto do livro é quando a jovem Nástienka começa a contar a sua história. É uma narrativa cheia de elementos interessantes. Ao contar sua vida junto à sua avó a jovem desenha para o leitor uma relação que ainda que permeada de afeto e de cuidado não deixa de trazer consigo um conflito geracional que demonstra algumas mudanças significativas que estavam ocorrendo na sociedade.

Uma manhã a avó me chamou e disse que, como era cega, não podia me vigiar; então pegou um alfinete e prendeu meu vestido ao dela, dizendo que ficaríamos assim a vida toda se, entenda-se, eu não me comporta-se melhor. Numa palavra, nos primeiros tempos não havia como me afastar: era trabalhar, ler, estudar, tudo ao lado da avó.
Ao longo de quatro noites brancas, que é um fenômeno que causa longos dias claros em São Petersburgo, nosso narrador solitário e sem nome tem suas horas mudadas após conhecer Nástienka. O fenômeno de claridade se coloca sob a cidade e sob as mentes destes dois jovens que ao conversarem revelam muito de si.