Nauseado do Matheus Peleteiro (Selo Faça Ocê Mesmo, 2021) é um livro que reúne 21 contos e nos apresenta a um catálogo de náuseas ao tratar de temas como nossa relação com o planeta, bullying, manipulação, sexualidade, internet, corrupção, literatura, música e outros assuntos. A ânsia que precede a náusea e a náusea que precede o vômito vai se mostrando até mesmo em lugares que a gente não gostaria que estivessem e nos levando a uma reflexão de que até mesmo a boa vontade pode ter sua chave virada para servir a outros propósitos. Matheus é perspicaz ao fazer um retrato do Brasil atual com uma sensação de náusea que as vezes nem chega a ser dor, mas que sempre será uma reação, uma resposta, um sintoma.



A sua dor se dava por saber que não estava louco. Que os outros é que estavam ensandecidos, que o mundo inteiro estava desvairado, de cabeça para baixo, e ele não.


O que é que te causa náusea? O que é que te deixa com um nível de desconforto impossível de ignorar? Em cada um dos contos revisitamos náuseas particulares, experimentamos náuseas alheias e descobrimos algumas novas que passam a ser nossas também. Aquilo que nos causa náusea é particular e pelo olhar curioso e sarcástico de Matheus Peleteiro vamos investigando, juntos, cada forte desconforto e mal-estar na região da boca do estômago que se manifesta a cada página, a cada história. Os desconfortos são reações a vivências antigas e atuais que nos permeiam enquanto sociedade, aquelas das quais não aprendemos a falar sobre e, portanto, não chegamos perto do possível prognóstico.

Matheus fala sobre uma sociedade que quer a todo custo evitar o vômito, mas que não entende que o tratamento da náusea depende do que está causando o sintoma. Os contos revelam diversas facetas de uma sociedade doente por não entender a própria identidade, que quer se dar bem apesar de tudo e de todos, que quer amar sem refletir sobre o que é amor, que quer transar sem saber que sexo é troca, que quer ser respeitada sem doar respeito a cada pessoa que passa por sua história.

O autor vai aplicando suas provocações como quem administra um remédio e sem se preocupar com a dosagem. Peleteiro parte do grandioso ao colocar nas mãos de uma mulher o poder de exterminar a humanidade no conto intitulado “A Alavanca” até a exploração do ego das intenções artísticas no conto chamado “Os Sete pecados literários”. Em “Até o último coach” sua crítica à sociedade do empreendedorismo e do "trabalhe enquanto eles dormem" se transfigura em um serial killer de coachs, além de reflexões interessantes que esbarram na forma como usamos e vendemos nossa imagem na internet hoje.

A prosa de Matheus é questionadora e convida para conversar. Faz um chamamento para um movimento diferente do que a internet e seus algoritmos fazem hoje aos nos verem apenas como consumidores em potencial. O autor olha para a sociedade como um organismo vivo, particular e dividido que clama por uma salvação que não sabem de onde virá, como virá e que cara tem, e por isso acreditam que possa vir pelas mãos de quem fala mais alto.