Tempo nublado no céu da boca do Cleyton Cabral (Edição Interpoética, 2013) é um livro difícil de descrever enquanto gênero literário. O autor transita por vários estilos e em todos eles encontramos um olhar curioso e atento para o cotidiano, boas doses de humor, ironia, crítica e sensualidade. Os textos são curtos e cada um deles consegue ser uma caixinha de surpresa. Eles nunca terminam como a gente acha que vão terminar e para isso Cleyton brinca com as palavras, com os gêneros literários, com duplos sentidos. Consegue brincar com o grotesco, o violento e o absurdo e ao fazê-lo nos tira da zona de conforto, para na página seguinte nos fazer rir. É uma prosa corajosa, um misto de palavras que falam sobre si tanto de forma poética, como de forma nua e crua. É um texto que toma pra si a modernidade e que não deixa de dizer o que pretende dizer. No texto de apresentação da obra, Raimundo de Moraes diz brilhantemente que "pertencer às gerações Y-Z não deixa ninguém imune ao DNA angustioso do resto do alfabeto" e foi exatamente isso que Cleyton nos mostrou nas 60 páginas de "Tempo nublado no céu da boca."


PALAVRA

Ela quer

#sair

#chegar do lado de

Ela quer 

#dizer

#correr

Ela só quer

#saltar

#ficar

#gritar

Ela só quer

#calar

#mover

#voar

Ela quer bem mais

#furar

#bater

#matar

Ela quer e não desiste.


Assim, o livro já começa mostrando a que veio. Em "Palavra" Cleyton Cabral nos diz muito do que é da ordem do texto, da criação e talvez até da intenção do fazer literário e demarca muito bem, assim como as hashtags, as intencionalidades das palavras e do que aguarda o leitor pela frente. As palavras vem com força para reconfortar e incomodar em medidas difíceis de precisar. "Palavra" parece ser o prólogo das 38 narrativas que são apresentadas a seguir. 


Em "Tempo nublado no céu da boca" o sumário também é texto literário. Na narrativa a descrição da relação leitor/livro beira o erotismo e aquele fascínio que sentimos ao escolher ou sermos escolhidos por um livro é traduzido e sensualizado em palavras. "Ah, eu passei minha mão na contracapa, paquerei você, até ensaiei deixá-lo na prateleira, mas você é o diabo, me comeu com o título, fez pirraça." 


Eu gosto muito de  minicontos e acredito que seja um dos gêneros literários mais difíceis de se trabalhar. Escrever um miniconto não é só escrever um texto pequeno, mas escrever um texto pequeno que ainda assim carrega sentido, narrativa, imagem e o que mais lhe couber. Em "Tempo nublado no céu da boca" aparece assim de repente, entre uma página e outra, sem aviso algum, um miniconto que pega uma história e a divide em dois mundos.


PÓS-DRAMÁTICO

Depois de duas carreirinhas ficou fazendo cena.

Os minicontos do Cleyton Cabral, assim como todo o restante do livro brinca de uma maneira com as palavras e seus sentidos, com a estrutura textual e suas formas de entendimento que a gente lê brincando. Brincando seriamente. 

PICADEIRO

Enfermeiro largou o hospital e fugiu com o circo quando descobriu a veia cômica.

Em "Tempo nublado no céu da boca" o leitor precisa se permitir. Cada texto pede um tipo de imersão diferente, onde o que mais vale é a experimentação das palavras, dos sons e das histórias. É possível se surpreender com o humor e com o cotidiano que na escrita de Cleyton ganham novas cores. É como se passássemos os dias e as horas na lupa. É possível ler uma história inteira onde pontos e vírgulas estão escritos assim mesmo, como pontos e vírgulas e se divertir porque conseguiu manter o fluxo da leitura e pausar nos momentos certos.