O menino da gaiola do Cleyton Cabral (Edição do Autor, 2017) é uma obra de literatura infantil que trabalha com o campo do simbólico de uma forma muito rica. Conhecemos um garoto chamado Vito, que carrega consigo uma gaiola, mas essa gaiola não é para prender passarinho, é uma gaiola que é também uma mala e um repositório de passarinhos de papel onde ele recolhe os sonhos presos das pessoas que passam pelo seu caminho. O livro consegue aliar o lúdico e a imaginação a temas considerados tabus para as histórias infantis. Temos a temática da perda, da morte, do abuso sexual, da relação do ser humano com o meio ambiente, da violência urbana, relações familiares. "O menino da gaiola" é um livro que não subestima a inteligência das crianças e mostra que as mesmas estão ávidas de conhecer o mundo e as leis que o regem. Não existe temática que não possa ser trabalhada com as crianças e para cada uma delas é possível encontrar um tom que respeite a etapa em que ela se encontra. 


Sim, são os sonhos das pessoas que eu ponho aqui e depois abro a portinha, para os sonhos voarem como pássaros.


Cleyton Cabral utiliza de imagens fortes para nos ambientar na história e além das imagens temos uma narrativa muito bem pensada, que literalmente nos leva a viajar junto com Vito. Nosso personagem embarca em uma jornada e vamos observando seu caminhar e seus encontros. Ele vai recolhendo as histórias e os sonhos das pessoas que são colocados um por um dentro de sua gaiola, para em seguida alçar voo. Podemos perceber a viagem e os encontros com essas histórias como o processo de crescimento individual e social, pois nada mais somos do que uma junção de momentos e histórias que compartilhamos com os outros. A cada pessoa que passa por nosso caminho, inserimos mais uma vivência em nosso interior, que ao se juntar com a nossa própria experiência, ajuda na construção da pessoa que somos. 

É muito bonito perceber como Cleyton Cabral, de forma simbólica, nos provoca a refletir que para a libertação dos nossos sonhos presos, das nossas vontades, e inclusive das situações de violência que vivemos, é preciso permitir a aproximação do outro. Quando cada um dos personagens se abre para Vito é como se reanimassem e revivessem seus próprios sonhos, mesmo aqueles que pareciam inalcançáveis. O menino Vito também tem seu próprio grande sonho, que parece ganhar ainda mais força somado aos sonhos dos demais. 


Como é gostoso conhecer um pouquinho da vó Erundina, do tio Efúvio, do seu Onário, da menina Lis e dos gêmeos Damásio e Domásio. Cada um deles traz uma dose de dor e uma dose de amor para a narrativa, mostrando que ninguém é só dor ou só amor e que tanto um quanto outro sentimento precisa ser compartilhado, um para expandir e o outro para se libertar. Existem pessoas que sofrem violência, existem pessoas que sofrem abuso e de forma alguma podemos convencer as crianças de que essas pessoas e situações não existem. Essa ciência sobre a realidade pode inclusive livrar essas mesmas crianças de situações parecidas. Essas temáticas estão bem latente no livro e não se apresentam de forma a aterrorizar ninguém. Cleyton soube dosar suas palavras usando do lúdico e da poesia. 

É impossível não se encantar com os gêmeos Damásio e Domásio, os pescadores de sofás. O diálogo de Vito com os irmãos é muito interessante. Damásio e Domásio passam horas no rio pescando sofás que eles espertamente reformam e vendem, já que o rio não fornece mais peixes os meninos arrumaram um jeito de garantir seu sustento e ainda limpar o rio, já que as pessoas insistem em tratar as águas como lixo. 


É muito comum escutarmos a frase clichê de que as crianças são o futuro de uma nação e do planeta. Ela é clichê e ainda assim não deixa de ser uma verdade. Mas acontece que deixamos de lado uma outra reflexão que é: que tipo de crianças estamos deixando para o planeta? A obra de Cleyton Cabral se torna ainda mais potente por de certa forma tocar nesse ponto. "O menino da gaiola" é um livro sobre crescimento, liberdade que coloca as crianças no centro, como potenciais transformadoras da realidade. Podemos continuar oferecendo as mesmas crianças ao mundo, com os mesmos valores que deturpam tanto a convivência em sociedade, ou podemos apostar na ideia de valorização das infâncias, explorando a sede inata e genuína que cada criança tem de descobrir o mundo, dando a elas as ferramentas necessárias para fazer a reforma geracional que tanto precisamos.