Poemas da Wislawa Szymborska (Companhia das Letras, 2011) é um livro de poesias que compila textos da autora de 1957 a 2002. Obra indispensável para quem deseja conhecer um pouco mais da escrita de Szymborska que é considerada uma das maiores poetisas da Polônia e que foi brilhantemente traduzida pela Regina Przybycien, dada a complexidade de transpor um texto poético do polonês para o português. Wislawa é também Prêmio Nobel de Literatura do ano de 1996. Em [poemas] podemos degustar cada nuance utilizada pela escritora, que transita entre a contemplação das coisas comezinhas da vida, a política, a sociedade, a guerra, o amor, uma grande afeição pelos animais, pela natureza e o próprio ato da escrita com muita ironia e humor. Como uma boa poetisa, Wislawa se permite falar sobre o dito banal e sobre o grandioso e tudo isso é feito com muita concisão. O estereótipo da poesia difícil é algo que não se aplica à sua obra, pois a imersão que suas palavras provocam se escondem justamente em uma leitura fluida que abre as reticências necessárias.
Wislawa, que nasceu no ano de 1923, faz parte de uma geração que viveu o entre guerras. Sendo assim, essa temática acaba sendo recorrente na sua escrita, seja nomeando a guerra propriamente dita ou explorando seus efeitos na vida das pessoas e da sociedade. O interessante é perceber as diversas formas com que ela decide falar sobre os assuntos. A poesia "Primeira foto de Hitler" é um exemplo de sua genialidade para falar do horror. Na poesia ela olha para um Hitler ainda bebê, que acabara de nascer e o poema brinca, inclusive utilizando formas e trejeitos que adotamos ao falarmos com e para um bebê. É como se um adulto estivesse olhando para uma criança e tentando adivinhar o caminho que ela irá seguir e quais serão seus grandes feitos. O final da história real já conhecemos bem.
E quem é essa gracinha de tiptop?
É o Adolfinho, filho do casal Hitler!
Será que vai se tornar um doutor em direito?
Ou um tenor da ópera de Viena?
De quem é essa barriguinha cheia de leite, ainda não se sabe:
de um tipógrafo, padre, médico, mercador?
Quais caminhos percorrerão estas pernocas, quais?
Irão para o jardinzinho, a escola, o escritório, o casório
com a filha do prefeito [...]
As poesias da Wislawa são simples, mas não são simplórias. Elas foram concebidas para dizer exatamente o que querem dizer e com isso conseguem conversar com o leitor por alguma via. Sua obra não é extensa, mas em cada poema conseguimos perceber que fazer uma composição que tem a simplicidade como estratégia narrativa não é algo que se crie da noite para o dia. Extrair a beleza da observação de uma nuvem que vem e passa, e portanto, nunca é a mesma, é um exercício de observação e destreza que diz da tal mudança para muito além das nuvens.
Para descrever as nuvens
eu necessitaria ser muito rápida -numa fração de segundo
deixam de ser estas, tornam-se outras.
Somos filhos da épocae a época é política.Todas as tuas, nossas, vossas coisasdiurnas e noturnas,são coisas políticas.Querendo ou não querendo,teus genes têm um passado político,tua pele, um matiz político,teus olhos, um aspecto político.O que você diz tem ressonância,
o que silencia tem um eco
de um jeito ou de outro político.
Até caminhando e cantando a canção
você dá passos políticos
sobre um solo político.
Versos apolíticos também são políticos,
e no alto a lua ilumina
com um brilho já pouco lunar.
Ser ou não ser, eis a questão.
Qual questão, me dirão.
Uma questão política.
Não precisa nem mesmo ser gente
para ter significado político.
Basta ser petróleo bruto,
ração concentrada ou matéria reciclável.
Ou mesa de conferência cuja forma
se discutia por meses a fio:
deve-se arbitrar sobre a vida e a morte
numa mesa redonda ou quadrada.
Enquanto isso matavam-se os homens,
morriam os animais,
ardiam as casas,
ficavam ermos os campos,
como em épocas passadas
e menos políticas.
Em várias outras poesias a autora se dedica a escrever sobre o processo criação, escrita e o universo literário. Estes textos são aqueles onde uma ironia e uma acidez pulsante se apresentam. Wislawa fala sobre o que há de encantamento e também sobre o que há de ego e ostentação no mundo literário e parece que sua escrita simples é uma espécie de manifesto avesso a muitos processos que vemos por aí. É assim em "Recital da autora" onde praticamente debocha da ideia da Musa e do ego do escritor: "Musa, não ser um boxeador é literalmente não existir/ Nos recusaste a multidão ululante/ Uma dúzia de pessoas na sala/ já é hora de começar a fala/ Metade veio porque está chovendo/ o resto é parente. Ó Musa..." E como em "Alguns gostam de poesia" que diz:
Alguns -
ou seja nem todos.
Nem mesmo a maioria de todos, mas a minoria.
Sem contar a escola onde é obrigatório
e os próprios poetas
seriam talvez uns dois em mil.
Gostam -
mas também se gosta de canja de galinha,
gosta-se de galanteios e da cor azul,
gosta-se de um xale velho,
gosta-se de fazer o que se tem vontade
gosta-se de afagar um cão.
De poesia -
mas o que é isso, poesia.
Muita resposta vaga
já foi dada a essa pergunta.
Pois eu não sei e não sei e me agarro a isso
como a uma tábua de salvação.
Em suas diversas camadas, as poesias de Wislawa carregam pensamentos filosóficos com muito lirismo. Toda a sua obra foi caracterizada pela Academia de Estocolmo como “uma poesia que, com precisão irônica, permite que o contexto histórico e biológico se manifeste em fragmentos da realidade humana”. E muitas de suas poesias não passam de fragmentos que em pouquíssimas palavras provoca e contesta questões que estão postas, como em "As três palavras mais estranhas", um poema tão tão ousado que transforma palavra em sensação.
Quando pronuncio a palavra Futuro,
a primeira sílaba já se perde no passado.
Quando pronuncio a palavra Silêncio,
suprimo-o.
Quando pronuncio a palavra Nada,
crio algo que não cabe em nenhum não ser.
A poesia de Wislawa Szymborska é um olhar curioso sobre tudo. É a transformação dos encantamentos e sustos de uma mulher perante a vida em pura arte. Aquele tipo de arte que nos conecta com o Lado B das realidades que estão postas ou que apenas nos convida a transformar nosso assombro em testemunho. É uma poesia que fica eternizada na própria audácia de fazer história da história.
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