Menina a caminho do Raduan Nassar (Editora Companhia das Letras, 1997) é um livro de contos que trás cinco pequenas histórias. Foi o primeiro trabalho do autor que ficou muito famoso com a publicação do romance "Lavoura Arcaica." Menina a caminho foi escrito nos anos 60, mas só ganharia publicação em 1997. Dos quatro contos breves que completam este volume, três datam do início da década de 70: "Hoje de madrugada", "Ventre seco" e "Aí pelas três da tarde". "Mãozinhas de seda", o único texto inédito deste livro, é de 1996. Em "Menina a caminho" Raduan transita por diversos assuntos e alegorias, cada conto escolhe narrativas e até uma escrita completamente diferentes umas das outras. No conto que dá título ao livro, por exemplo, iremos encontrar uma escrita parecida com a que conhecemos com "Lavoura Arcaica", enquanto que nas demais histórias esse ritmo é quebrado, como se o livro fosse também uma espécie de experimentação de Raduan. 


O conto "Menina a caminho" se destaca muito na obra. Conta a história de uma garota que vive em uma cidade interiorana que não sabemos qual é. Podemos afirmar isso pela forma como Raduan explora o olhar dessa menina diante da cidade, das pessoas, das conversas, dos costumes e de um cotidiano bucólico. Também não sabemos o nome dessa menina. Ela exerce uma função no conto que é muito interessante: ela apenas observa tudo e é literalmente uma menina a caminho. Esse caminho que ela percorre é físico, pois ela transita pelas ruas dessa pequena cidade observando tudo a sua volta, como também é um caminho que pode representar o amadurecer, o aprendizado, o processo de se tornar mulher. De uma forma muito perspicaz o autor consegue representar esse amadurecimento e essa interação da menina com o mundo através da observação do cotidiano, das conversas entre as pessoas, das atitudes que elas executam, das reações a essa e aquela situação. A menina a caminho, por vezes se assusta com uma ocasião ou outra que presencia e percebemos que naquele momento ela teve contato com algo que até então não fazia parte de seu universo.  

Vindo de casa, a menina caminha sem pressa, andando descalça no meio da rua, às vezes se desviando ágil para espantar as galinhas que bicam a grama crescida entre as pedras da sarjeta. O vestido caseiro, costurado provavelmente com dois retalhos, cobre seu corpo magro feito um tubo; a saia é de um pano grosso e desbotado, a blusa do vestido é de algodão acetinado, um fundo preto e brilhante, berrando em cima uma estampa enorme de cores vivas, tão grande que sobre o peito liso da menina não aparece mais que o pedaço de uma folha tropical. Deve dormir e acordar, dia após dia, com as mesmas tranças, uns restos amarrotados. 

Enquanto a menina caminha em direção a algum lugar e observa atentamente os acontecimentos a sua volta, o leitor vai recebendo fragmentos de conversas, de episódios e de nomes que para aquela comunidade parecem muito familiares, mas que pra gente são mais como fofocas pela metade. Não sabemos muito bem os desdobramentos de tudo aquilo, o que também parece ser uma estratégia de Raduan para explorar um olhar infantil sobre as coisas, um olhar que está recebendo as informações e tentando organizar em um fluxo de pensamento., Nesse fluxo de informações onde muitas coisas ainda não são tão palpáveis para as vivências de uma criança, ela lida também com algo que ronda o universo infantil, que é a invisibilidade.  


 Chega a uma certa altura do conto que percebemos um dos objetivos dessa caminhada da menina e a partir dessa constatação abre-se um leque de metáforas e alegorias que continuam vinculadas a esse processo de amadurecimento, muitas vezes forçado, pelo qual algumas crianças passam. Como também a realidade de que algumas crianças carregam consigo um peso que não deveriam ser delas e sim dos adultos responsáveis por sua criação. Acontecem episódios muito simbólicos como a perda de um laço de cabelo e um vômito desenfreado que ilustram pra gente essas mensagens que Raduan desenhou em relação ao peso que uma infância pode carregar.