Aqueles que queimam livros do George Steiner (Editora Âyiné, 2020) é uma espécie de ensaio e uma declaração de amor aos livros. Apesar de ser um livro curto, Steiner consegue introduzir discussões que são basilares para entendermos o livro enquanto objeto, enquanto arte, instrumento emancipatório, depositório de informação, apreciação estética, assim como as questões de perseguição, censura e o futuro do livro. Há também reflexões sobre alguns conceitos de leitura que vão além do ato de ler e que se aproximam também da relação dos leitores com autores e personagens: "lemos o livro, porém, mais profundamente, pode ser o livro que nos lê." Acontece também uma abordagem sobre a autoridade implicada pelo texto, sobre a perenidade dos livros, mesmo aqueles esquecidos no tempo, guardados em estantes empoeiradas. Há espaço para a revolução tecnológica e a ascensão da internet que estão mostrando outras maneiras de compartilhar e ler e o autor possui uma visão bem otimista em relação a esse ponto. George Steiner escreveu um texto que mostra o livro como um fenômeno, como um encontro excitante entre texto e percepção. Grandes perguntas ficam no ar: os livros nos tornam pessoas melhores? O que motiva os censores de livros? O que os fazem tanto medo? 

Através de um breve passeio pela história do livro e sua importância o autor nos mostra como que "desde os sumérios, os livros foram os mensageiros e os cronistas do encontro do homem com Deus." Quando o livro torna-se esse objeto que também carrega o sagrado, isso alça o livro a um outro patamar e podemos mesmo refletir que essa "sacralidade" que ele ainda hoje carrega, possui resquícios dessa época. Isso somado ao fato de que o acesso ao livro era algo exclusivo a pequenos grupos. A história dos judeus é um grande exemplo utilizado na obra, pois ao ter como mandamento "estudará todo dia a Torá" os judeus não só resguardaram sua identidade, como também assumem que "nossa verdadeira pátria sempre foi e sempre será um texto."

Sob todos os aspectos, mesmo por trás de uma aparente ligeireza, os atos da escrita e sua consagração nos livros manifestam relações de força. O despotismo exercido por padres, pela classe política, pela lei, sobre os iletrados ou os subletrados, não é mais que a expressão exterior dessa verdade absolutamente fundamental. A autoridade implicada pelo texto, a posse e os usos dele por uma elite letrada são sinônimos de poder. 

Após avançar na leitura, percebemos que a intenção de George Steiner não é tanto discorrer sobre o que diz o título, mas sim tecer um panorama, uma colcha de retalhos para nos permitir refletir sobre o porque da perseguição aos livros, quais são os fatos que colocam os livros nesse lugar e quais os poderes, as autoridades que a cultura escrita carrega consigo. O que os livros causam nas pessoas? 


O encontro com o livro, assim como com o homem ou a mulher destinado a mudar nossa vida, frequentemente em um instante de reconhecimento do qual não se está consciente, pode ser completamente casual. O texto que vai nos converter a uma fé, que vai nos fazer aderir a uma ideologia, que dá a nossa existência um fim e um critério, pode estar a nos esperar na estante dos livros de ocasião, usados, com desconto. Talvez empoeirado e esquecido, na estante ao lado do livro que procurávamos.

Enquanto um texto sobrevive em algum lugar desta terra, ainda que em silêncio ininterrupto, é sempre capaz de ressuscitar. 

"Aqueles que queimam livros" é uma obra que consegue abrir um leque de questões para quem gosta dos livros e pretende se embrenhar pelo estudo mais aprofundado da história do livro e do livro como suporte. É também um diálogo inicial sobre a importância do livro para uma sociedade e para guarda e democratização do conhecimento. George Steiner se mostra um teórico apaixonado e também muito atento a questões atuais e que vão se inserindo no universo do livro e nos dando um vislumbre sobre o futuro desse suporte. Com essa publicação temos em mãos uma ótima fonte de discussões para o povo do livro e aqueles que queiram se embrenhar por esse universo encantador e desafiador da leitura.