Dicionário de Suicidas Ilustres de J. Toledo (Editora Record, 1999) é um livro que nada contra a corrente ao falar sobre um tema que as pessoas insistem em fingir que não existe, o suicídio. A obra conta com um texto breve de introdução que consegue trazer pontos interessantes para refletirmos sobre o auto extermínio. Se a morte já é um tabu para muitas culturas, quando falamos de uma ocorrência de suicídio o tabu se torna ainda maior. J. Toledo traça alguns perfis e motivações que podem levar uma pessoa a optar por dar fim à própria vida, e deixa pontos que merecem pesquisas mais profundas, mas que já nos dão uma ideia de como pensamentos suicidas também são consequência da nossa organização social.
O texto inicia com uma provocação ao dizer que nós, enquanto indivíduos, muitas vezes não damos conta de conviver com a ideia de "não saber". Quando deparamos com nossa ignorância diante da existência e de nossa impotência para algumas ocorrências é que a mente pode começar a acessar o mais íntimo de nosso ser. E uma das questões que mais nos assusta e nos aflige diante do "não saber" está ligada à vida e a morte.
Principalmente a morte, o fim. É esse insuportável "não saber" que nos impele a buscas e respostas, religiosas, metafísicas, ideológicas, científicas, ou do "bom senso", que desembocam sempre em ideias reducionistas, falsas ou bastante parciais. Mas às quais com frequência nos aferramos fanaticamente, levando à criação de "certezas". São essas "certezas", encobridoras de crenças, que nos permitem tolerar a imensa angústia frente ao desconhecido.
Pode existir um momento na vida de qualquer ser humano que esse "não saber" irá vibrar na mesma sintonia que um episódio que traga imensa dor. A soma dessas duas vivências, desses dois sentimentos pode desencadear uma agonia tamanha onde uma pessoa só vai desejar alívio imediato. É quando a morte, a possibilidade de descansar, passa a ser uma opção.
Um outro ponto que J. Toledo trás e que pouco ouvimos falar é sobre o caráter social do suicídio. Em um trecho do texto o autor diz que "parte da sociedade, ao deixar morrer outra parte, está se suicidando." Existe um suicídio que acontece quando damos palco a teorias econômicas que colocam o lucro, o ter, o ganhar, na frente do que é ser humano. Quando permitimos que pessoas vivam sem o mínimo de acesso básico a seus direitos como cidadãos é como se deixássemos morrer. Essa morte pode ser física, se configurando em um ato de desespero do próprio suicídio, e pode ser simbólica, quando um sujeito vive com pouco e com sua sobrevivência sempre em risco. O autor fala da morte da dignidade.
Na sequência ele passa a falar sobre o que ele chama de "fantasias" mais comuns que sustentam atos suicidas e que são discutidas por muitos psicanalistas. Um plano de morte pode nascer do desejo, da busca de uma "outra vida", um discurso que é muito difundido pelas religiões. Pode também ser motivado por acreditarem em um reencontro com pessoas queridas, pessoas com que se mantinha uma relação intensamente amorosa. J. Toledo inclusive usa exemplos de casais que viveram muitos anos juntos e que o par falece logo após a partida de sua companhia ao se entregar ao sofrimento, que dependendo do caso pode ser chamado de um "suicídio crônico". Um ato suicida também pode ser motivado por vingança, tanto pelo caráter agressivo do ato em relação a quem fica e até de um desejo do suicida de que as pessoas "responsáveis por sua dor" sintam a culpa pelo resto de suas vidas. Uma outra decorrência do suicídio acontece como um pedido de ajuda, quando a pessoa que pretende se matar arruma maneiras de comunicar sua desesperança através da melancolia e da depressão. Todos esses quadros podem ou não ter ligação com uma doença mental. Não necessariamente uma pessoa em sofrimento, apresenta quadro psicótico ou de doença mental.
Após a introdução e breve contextualização sobre questões relativas ao suicídio, tanto emocionais, quanto culturais, o livro vira uma espécie de dicionário, misturado com livro de curiosidades, de enciclopédia e biografia. Após uma ampla pesquisa J. Toledo enumerou diversas personalidades que cometeram suicídio ou que o tentaram, e esse fato se tornou uma característica importante de suas biografias. O autor mescla figuras reais com ficção, ou seja, ele utiliza de exemplos de personalidades reais, ficcionais e também mitológicas, para mostrar como o suicídio está presente em nossa cultura desde sempre. A pesquisa de J. Toledo acaba se firmando como uma importante fonte de estudo para se pensar o suicídio como um fenômeno social, pois ali encontramos diversos exemplos de como ele pode se manifestar.
O Dicionário de Suicidas Ilustres está longe de ser uma obra que exalta ou que faz apologia ao suicídio, é apenas um livro que tem a coragem de olhar de frente para algo que evitamos olhar e que não deixa de existir por isso. Como no mito de Eros e Tanatos precisamos encarar a vida sabendo que ela mescla flechas de amor com flechas de dor e que em alguns momentos estamos sendo regidos pelo amor de Eros e outras vezes pelo desejo de morte de Tanatos.
Precisamos encontrar o equilíbrio entre amor e dor. Um suicídio nos mostra a realidade da morte, personifica o fim. As pessoas se matam e precisamos entender por que isso acontece para poder criar meios de enfrentamento que possam evitar que esses atos se concretizem sempre que possível. É preciso criar estratégias e mecanismos que olham para o suicídio como uma questão de saúde pública e só conseguiremos fazer isso quando investigarmos cientificamente essa nossa atração por sermos donos de nossa própria morte.
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