A outra volta do parafuso de Henry James (Companhia das Letras, 2011) é um romance norte americano que foi publicado inicialmente em partes na Revista Collier's em 1898. Foi reeditado, se tornou um clássico e recebeu inúmeras adaptações para TV e cinema. Conforme vamos lendo a obra, entendemos o porque de tanta celebração sobre uma narrativa, uma vez que o livro nos leva a uma história de assombrações que carrega consigo muitas camadas e é um exemplo do exercício da literatura enquanto arte. Em "A outra volta do parafuso" cada diálogo, cada descrição de personagens, ambientes e situações parecem cuidadosamente construídos para compor um universo muito bem pensado por Henry James que flerta com suspense, terror e mistério. O arrepio dos pelos da nuca e uma ligeira queda de temperatura em contato com as aparições parecem acontecer de fato enquanto lemos. Henry James consegue evocar sensações através das palavras. 


Como o texto de Henry James trabalha muito com sugestões e sensações essa aura não poderia ficar de fora do título da obra. "A outra volta do parafuso" pode nos direcionar para várias formas de interpretação por conta de seu caráter subjetivo, mas acredito que todas elas vão se ligar à ideia de "uma outra maneira de enxergar", "o outro lado do que está posto", "o avesso", "aproximação de um outro estado de realidade", "um ponto de virada". Se existe uma volta do parafuso que aperta e prende, a outra volta do parafuso poderia ser aquela que solta e permite a vivência de um outro paradigma, de um terceiro olho, de algo diferente e "se uma criança dá ao fenômeno outra volta do parafuso, o que me diriam de duas crianças...? 


Na história acompanhamos a chegada de uma jovem a uma propriedade para cuidar de duas crianças e ser uma espécie de governanta na mansão Bly. As duas crianças são órfãs e ficaram sob a tutela de um tio rico. Percebemos que a educação e até o afeto que essas crianças receberam sempre foram relegados a empregados da propriedade e esse tio inclusive, passa a maior parte do tempo longe das crianças e uma das condições ao contratar a governanta foi a de que ela deveria tratar de todos os problemas referentes às crianças e à casa sem o consultar. Inicialmente a moça da qual não sabemos o nome se vê vislumbrada pela propriedade campestre e pelas duas crianças que teria que cuidar. A menina se chama Flora e o menino se chama Miles. 


Uma das portas de entrada para introdução do clima de apreensão e mistério está na chegada de Miles à propriedade depois de ser expulso do internato em que vivia por motivos que ninguém sabe ao certo. Só sabemos que é período de férias e que Miles não poderá voltar a escola. Henry James nos coloca diante de um personagem que pode ser o mal encarnado ou apenas a vítima de um boato ou injustiça. É isso que a governanta começa a buscar e conta com a ajuda de uma outra empregada da mansão, a preceptora Grose, que apesar de conhecer muito sobre a história da mansão e da família, parece não querer que saibamos disso. 


Aos poucos a governanta vai começando a desconfiar de tudo aquilo que até então estava em perfeita ordem aos seus olhos. Seriam essas crianças tão perfeitas? Seria esse um emprego tão satisfatório assim? E esse lugar seria assim tão belo? Tudo isso se agrava quando a moça começa a esbarrar com pessoas que não deveriam estar ao redor da propriedade. Ela logo percebe que é testemunha de aparições de fantasmas de pessoas que supostamente foram funcionários da mansão e passa a desconfiar de que existe alguma relação dessas aparições com as crianças. 


"A outra volta do parafuso" é um livro que precisa ser lido com atenção. Seu texto não é de enorme complexidade, mas pede uma atenção maior para absorver detalhes, intenções e até a estrutura que Henry James pensou para a obra. Além de todos os aspectos que disse anteriormente e que prende a atenção do leitor, acredito que esse livro utiliza de um artifício muito perspicaz para nos entreter, que é o uso de diversos elementos da contação de histórias, bem ao estilo das histórias contadas numa roda de amigos ou ao pé de uma fogueira. O livro já se inicia dessa maneira, antes de conhecermos os relatos da governanta onde o primeiro narrador, inicialmente, vai passando um "mel" na boca do leitor, adiando o início da narrativa, como a nos preparar para algo muito surpreendente. O narrador está munido de escritos registrando a história que será contada pela passou que passou pelos fatos. 

O caso, devo dizer, era o de uma aparição surgida numa casa velha semelhante àquela em que estávamos reunidos no momento - uma aparição, das mais terríveis, testemunhada por um menininho que dormia no quarto com a mãe e que a acordou apavorado; acordou-a não para que ela dissipasse seu medo e o tranquilizasse, e ele então voltasse a dormir, mas para que ela própria defrontasse, antes de conseguir fazê-lo, com a mesma visão que o abalara. 


Henry James consegue fazer a gente se sentar ao redor dessa fogueira e a esperar ansiosos pelo que vai acontecer. O autor nos ganha já nas primeiras linhas usando a curiosidade como estratégia de imersão. Estamos diante de uma narrativa que bebe da tensão e usa e abusa de um clima psicológico onde as respostas não são importantes e sim as dúvidas.  

Primeira página da publicação seriada de The Turn of the Screw no Collier’s Weekly