Um amigo para sempre de Marina Colasanti (Editora FTD, 2017) é um livro que trás um conto inspirado em uma história real. Narra o encontro entre um preso político e um passarinho que o visita em seu horário de banho de sol. O preso político é o escritor José Luandino Vieira. Nascido em Portugal no ano de 1935, foi bem jovem para Luanda (Angola) onde trabalhava a escrita da língua portuguesa através do quimbundo. Seu trabalho literário caminhava de mãos dadas com o político, portanto, durante a ditadura que assolou os países africanos colonizados por Portugal, acabou condenado à prisão e foi onde produziu grande parte de seu trabalho literário. O próprio Luandino contou para Marina Colasanti sobre seu encontro com um pequeno pardal em ocasião de uma vez que estiveram juntos em Cuba. Marina transformou esse episódio de anseio de afeto e liberdade em um belo conto para todas as idades. 


A história narra de forma muito poética o passar dos dias e a presença constante da rotina de quando se está recluso e poucas coisas possuem o poder de diferenciar os dias. O homem preso só tem a oportunidade de sentir ar puro e de experimentar o sol em breves períodos por dia, quando sai para o pátio do prédio onde está preso. Ele caminha para um lugar que chama de jardim pelo simples fato de encontrar algumas flores. O nome jardim serve como uma forma de minimizar a ideia de carcere. Nesses momentos, geralmente sua companhia era a leitura, mas algo começa a mudar quando ele percebe ao longe a presença de um passarinho. 


O homem passa a tentar chamar atenção do passarinho, que é um pardal, utilizando de pequenas migalhas do pão que sempre levava consigo para o pátio. Como possuía paciência e tempo de sobra, o homem começa um processo lento de conquista do passarinho. Dispunha migalhas no chão e se afastava para que o pequeno pássaro se sentisse seguro e os dias foram se passando nessa dança em busca da confiança do pequeno pássaro.


Agora, além de esperar ansioso pelo momento de tomar seu banho de sol, Luandino aguardava pelo momento de rever aquela pequena presença que acabou lhe dando mais um propósito de viver os dias, mais uma distração, uma possibilidade de diálogo e uma experimentação de algo que voa e que representa  um sentimento e uma busca de liberdade. 


Essa era a forma que tinham de conversar. E para o homem, que não falava com ninguém, era uma longa conversa. Um dia, recuou um passo a menos. O passarinho hesitou, mas veio. Percebendo que tinha feito uma conquista, o homem deu tempo para que o seu pequeno amigo se acostumasse. 


 Cada encontro era mais um passo dado na construção da amizade entre o homem e o passarinho. A notícia sobre esse ritual acabou chegando aos outros presos que passaram a acompanhar a missão de Luandino de dentro de suas celas, através de suas pequenas janelas. Todos queriam de alguma forma fazer parte daquela história que trazia esperança de dias melhores e momentos de esquecimento sobre a situação em que estavam. A missão de Luandino era fazer com que o passarinho comesse em sua mão.

 

Além da escrita sempre genial de Marina Colasanti o livro conta com ilustrações certeiras de Guazzelli. As imagens criadas conseguem nos transportar para dentro de paisagens hora claustrofóbicas, hora voltadas para uma amplidão, brincando com essa dualidade existente entre o estar preso e o estar livre para voar.