O menino grapiúna de Jorge Amado (Companhia das Letras, 2010) é um livro onde o autor parece convidar o leitor para uma conversa informal  num banco de praça. Ele revisita algumas de suas mais significativas memórias de infância e ao fazer isso acaba nos mostrando um pouco da sua origem como escritor. Jorge Amado fala do lugar que se formou enquanto pessoa sensível e conectada com a poesia do olhar e também do lugar onde aprendeu as mazelas da vida. Diz sobre uma poesia que não olha apenas para o belo, como o senso comum nos leva a crer, mas uma poesia que clama pelo sabor da naturalidade também em sua violência. Quando conta de seu lugar de origem, Jorge nos conta sobre como surgiu seu interesse em contar as histórias daqueles que são considerados os degenerados, os vagabundos, os perdidos - algo que passou a ser característica inerente de sua obra.


Que outra coisa tenho sido senão um romancista de putas e vagabundos? Se alguma beleza existe no que escrevi, provém desses despossuídos, dessas mulheres marcadas com ferro em brasa, os que estão na fímbria da morte, no último escalão do abandono. Na literatura e na vida, sinto-me cada vez mais distante dos líderes e dos heróis, mais perto daqueles que todos os regimes e todas as sociedades desprezam, repelem e condenam. 
Jorge Amado chama os líderes e heróis de "seres vazios, tolos, prepotentes, odiosos e maléficos". O autor acredita que a necessidade de se contar histórias onde o herói precisa ser exemplo de honra e lisura acaba por criar um medo da liberdade e que com essas características estes mesmos heróis acabam se colocando acima dos outros.

Explorando seu olhar de menino, o menino grapiúna, Jorge Amado nos conta do que ele chama de "um tempo de gestação das cidades" e evoca uma memória afetiva do lugar que viveu. Lembra que apesar de algumas publicações o colocarem como nascido em Pirangi, arremata que fora o contrário, que ele e sua família viram Pirangi nascer e crescer.

Ainda no campo da memória o autor evoca essa época em que as cidades nasciam e se firmavam, mas que também precisavam conviver muito de perto com temas como o amor e a morte. Jorge Amado nos conta de "uma primeira infância de terra violentada, de homens em armas, num mundo primitivo de epidemias, pestes, serpentes, sangue e cruzes nos caminhos e, ao mesmo tempo, de mar e brisa, de praia e canções, meninas de doce enlevo."


 O tio Álvaro foi uma pessoa de grande importância na infância de Jorge. Ele nos diz que a relação de ambos ultrapassava uma relação de sobrinho e tio e que muitas vezes pareciam mais amigos e confidentes. Amado conta de um episódio digno de um romance onde o tio passou a comercializar uma água que acreditava ser benta e que curava as doenças das pessoas, e o autor, ainda menino entrou no empreendimento com o tio para garantir uns trocados. O tio foi uma espécie de herói para Jorge Amado, e um herói porque não se enquadrava no perfil que buscava perfeição. Mesmo em momentos onde o jovem deveria ganhar uma repreensão Jorge diz que do tio "não ouvia críticas nem acusações ... no seu sorriso, pareceu-me encontrar solidariedade e aplauso.

No livro ainda vamos encontrar um relato inspirador de Jorge Amado sobre a figura de um padre em sua vida. Um padre que fora seu professor e que desafiando a todas as expectativas foi o responsável por apresentar os livros e a leitura ao jovem de forma a despertar o amor pelos livros. Mais do que isso. O padre após ler um trabalho sobre literatura de Jorge Amado foi o primeiro a anunciar que ali nascia um grande escritor. Jorge finaliza esse capítulo de forma muito bonita agradecendo o fato de que esse professor o havia dado o amor aos livros.