Os que bebem como os cães do Assis Brasil (Círculo do Livro, 1975) é um livro que relata o dia a dia de um preso político e toda a tortura física e psicológica que enfrenta entre as quatro paredes de sua cela. O protagonista da história aparenta estar preso a muito tempo pelo nível de degradação de seu corpo e pela confusão mental que não o permite lembrar de seu próprio nome e nem de seus familiares. É um livro doloroso e também essencial para os tempos que vivemos. "Os que bebem como os cães" foi censurado durante o período de ditadura militar no Brasil, então é raro encontrar uma edição da obra.


A forma como o livro é estruturado nos aproxima muito do sofrimento e agonia do personagem. Os capítulos são nomeados sucessivamente até o final como "A cela", "O pátio" e "O grito". Esse formato serve para que a gente entre na história e participe daquele passar de horas, dias e meses que são imensuráveis.

Nos capítulos nomeados de "A cela" acompanhamos a luta do Prisioneiro ao tentar se reconectar com sua própria história e humanidade. É também o momento onde ele espera a chegada de sua única refeição diária, uma sopa espessa que ele desconfia estar envenenada e ser a causa de sua falta de memória. No meio de um escuro total e sem saber se é dia ou noite lá fora, nosso personagem tenta colocar seus pensamentos em ordem como forma de se fortalecer e aumentar as chances de sobrevivência.



Nos capítulos nomeados de "O pátio" é quando ele é tirado de sua cela com as mãos algemadas para trás e um esparadrapo na boca em direção a um grande tanque de água que divide com os demais homens sequestrados pela ditadura. A interação é algo quase impossível, pois os guardas vigiam para que os homens só olhem em frente. Suas mãos são soltas para que possam se lavar e tomar água rapidamente. Esse é o momento onde podem retirar do corpo e das roupas toda a urina e fezes que acumulam dentro da cela. Furtivamente, um dos presos cochicha a nosso personagem que aquela visita ao pátio acontece apenas uma vez por mês.

No capítulos nomeados de "O grito" é onde acontece uma ação de resistência, que parece a cada vez ser executada por um prisioneiro diferente. Logo após se lavarem e tomarem água, e antes dos guardas selarem seus lábios com esparadrapo, um dos presos solta um grito de desespero. Esse grito serve para muitos dos homens como uma esperança, como uma prova de vida. O que sai de suas gargantas é sempre diferente, enquanto alguns gritam nomes de mulheres que podem ser suas namoradas e esposas, outros gritam pela mãe ou até mesmo o nome de Deus.

Através dessa rotina cela, pátio, grito, cela, pátio, grito, cela, pátio, grito o protagonista da história aos poucos vai se fortalecendo, se reconectando com algumas lembranças e a medida que vai se lembrando de alguns nomes, também se une aqueles que gritam e que sofrem as consequências por sua rebeldia.

Sim, havia esta luta: de um lado as palavras cunhadas pelos homens: esperança, liberdade, amor, Deus. Do outro, a recusa em aceitar pacificamente a sua harmonia, o seu equilíbrio. A mente queria ir mais além: o que dava esperança, o que era a liberdade, por que o homem sentia amor? Por que a palavra Deus, misteriosa e iluminada, podia acalmar os corações mas não destruía o sentimento de revolta? 

É angustiante acompanhar a trajetória de nosso personagem, que aos pouco conta aos leitores fragmentos de sua história e até mesmo seu próprio nome. "Os que bebem como os cães" é um livro sobre resistência e sobre o perigo de regimes autoritários e fascistas que só enxergam o caminho do silenciamento, da desumanização e da morte daqueles que comungam com uma visão de mundo diferente e que prezam pela vida e pela liberdade.