A ridícula ideia de nunca mais te ver de Rosa Montero (todavia, 2019).

Em "A ridícula ideia de nunca mais te ver" a escritora Rosa Montero faz algo genial. Parte da história de Marie Curie e entrelaça com a sua própria vida para falar de vida, morte, amor, situação das mulheres, literatura com uma criatividade que nos faz embarcar com sede nas páginas do livro.


Marie Curie foi uma mulher polonesa, que só teve a oportunidade (com muita luta) de estudar na França. Foi a primeira mulher a ganhar dois prêmios Nobel e em duas áreas do conhecimento diferentes - Física e Química. O primeiro prêmio foi conquistado em parceria com seu marido Pierre Curie e o segundo em atuação solo. Como se já não fosse suficiente tanta genialidade na mesma família, sua filha Irène Curie também ganhou um Nobel (30 anos depois da mãe). Marie Curie descobriu e cunhou o que hoje chamamos de teoria da radioatividade.

Rosa Montero ficou fascinada com a história de Madame Curie ao ter acesso a um breve diário escrito pela cientista, onde relata com paixão e intensidade o processo de luto que viveu após a morte de seu marido Pierre Curie, que teve seu crânio destroçado ao ser atropelado por uma charrete. Um dos pontos que mais chamaram a atenção de Rosa foi a forma como a morte de Pierre impactou a vida de Marie e a forma como ela desnuda seus sentimentos ao falar da tão famigerada morte.


Durante todo o livro as coincidências são um personagem a parte e uma das coincidências que amarram a narrativa do livro é o fato de que a própria Rosa Montero havia perdido seu marido a pouco tempo. Pablo Lizcano se foi após meses lutando contra um câncer. Foi a sintonia encontrada pela escritora para tecer as memórias de Currie com as sua próprias, onde duas viúvas se vêem expostas ao mistério da morte, que mesmo que todos sabemos ser o que nos aguarda, sempre somos pegos de surpresa com sua chegada repentina.

As vidas de Marie e Pierre, Rosa e Pablo vão se entrelaçando através de memórias pessoais e coletivas. Através das páginas vão se tornando algo grande e que mostram o retrato de duas épocas em relação à realidade das mulheres, o amor e o tabu da morte. Ao mesmo tempo que somos apresentados a uma história fascinante de uma grande cientista que ousou adentrar em um mundo dominado por homens orgulhosos, somos também apresentados a uma mulher dedicada aos filhos e a um amor que quase a destrói quando se vai pelas mãos da morte. O luto de Marie e de Rosa fizeram nascer um livro intenso sobre a morte.

Eu, enquanto leitor, me senti completamente imerso no livro e ele me fez ir de encontro às memórias de uma das pessoas que mais amei na vida, minha avó Abelina. Sua foto virou meu marca páginas já nos primeiros capítulos. Eu tinha apenas oito anos quando minha avó se foi, mas as memórias de infância mais fortes que possuo são ao lado dela. Lembro perfeitamente de sua imagem, de sua voz, do quanto gostávamos de comer rapadura e do amor sem tamanho que sentia quando estava com ela. Sinto saudades desses momentos passados e de todos aqueles que não pude viver com ela. Essa experiência de leitura além de me emocionar me fez acreditar ainda mais na literatura como essa âncora pra entender um pouco mais sobre a vida e que mesmo que não traga entendimento, consegue nos conectar a experiências similares sobre essa aventura ridícula e fascinante que é viver.

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