Todas as mentiras que contei do Stefano Manzolli (Galera Record, 2025) é um romance que conta a breve história de amor vivida por Dionísio e Marcello. A história se passa na paradisíaca Praia de Pipa, localizada no município de Tibau do Sul, Natal. Dionísio, que é morador da região, conhece Marcello, um turista cheio de mistérios vindo de São Paulo e que embarca nesse amor de verão já sabendo que terá uma data para acabar. O livro fala de uma paixão que quando chega “tem um tamanho absurdo”.


A obra de Stefano chama atenção pela estrutura do texto. Assim como grande parte dos romances, o livro possui início, meio e fim e se divide em capítulos, mas se apresenta inteiramente em formato de versos. Ainda que seu texto seja poético, não necessariamente é poesia. A prosa poética de Stefano se vale da exploração do texto como imagem, experimentação, sensação e ritmo.

Logo no início da trama, sabemos que Marcello na verdade não se chama Marcello e terminamos o livro sem saber seu verdadeiro nome. Essa é só uma das mentiras que ele contará. Marcello viaja para o litoral com a intenção de ser uma outra pessoa e ainda que estivesse aberto para viver um affair, não imaginava que sua aventura amorosa de férias seria tão intensa.

a primeira vez em que se falaram,

as águas cristalinas de pipa pareciam

pegar fogo.

ele também parecia.

marcello e o mar

pareciam incendiar um milhão

de tardes que não puderam

ser de amor.


essa é uma das poucas coisas

sobre as quais tem certeza agora.
Em “Todas as mentiras que contei” lidamos com a força dos contrastes, como por exemplo, a relação entre mentira e amor. A mentira, que muitas vezes é vista como ponto de partida para diversos males, na obra também aparece como uma estratégia de invenção ou reinvenção de si, como se fosse o caminho para construção daquele amor ideal vendido pelos livros, filmes e músicas. Marcello parece utilizar da mentira como uma última tentativa de experimentar o amor idealizado e até mesmo de viver livremente a sua sexualidade. Marcello “aprendeu primeiro a mentir; depois, a amar”.

A própria personalidade dos protagonistas trabalha com a dualidade. Marcello vem de São Paulo disposto a viver algo especial, mas ainda carrega consigo uma visão pragmática da vida, o que erroneamente o leva a crer que as pequenas e grandes mentiras o transformarão em uma pessoa mais desejável e interessante.


marcelo é somente

a soma de todas as mentiras

que precisou contar

para poder existir
Dionísio, morador de cidade do interior, é moldado no afeto, na simplicidade e preza pelas conexões reais. É aquela pessoa que sabe o que quer e o cuidado será sua linguagem principal. As demonstrações de carinho de Dionísio são leves e fluem como água. Dionísio é transparente com suas intenções e seu desejo. Ele busca o mesmo que Marcello, mas ao contrário dele, a transparência é a sua última cartada na busca por um amor genuíno.


dionísio,

depois desses dias,

aprenderia a viver

em reconstrução.



entretanto,

sabia fazer mosaicos.


Uma outra dimensão que garante um contraste interessante na narrativa é a mobilidade entre cidade grande e litoral, vida agitada e vida bucólica, que podem ser vistas como o próprio processo de suspensão que a paixão e o amor nos colocam. Dois mundos colidem e entramos em uma catarse ao acompanhar se esse encontro será capaz de mudar o percurso de Marcello e Dionísio.

Todas as mentiras que contei” é uma obra que nos faz refletir sobre o status atual dos relacionamentos. Entregamos verdadeiras performances quando nos apaixonamos e queremos conquistar alguém, e muitas vezes não refletimos sobre os impactos da persona que encarnamos na vida da pessoa desejada e em nossa própria vivência. O que resta quando deixamos as mentiras de lado? É possível se mostrar em essência?  Como as nossas ações, sejam elas de entrega ou de encasulamento, irão impactar na nossa capacidade de amar e ser amado?