Oblivion do Fabrício Martins e da Laura Jardim (Edição de autor, 2021) é um quadrinho que nos apresenta a personagem Anna, uma mulher tentando seguir o roteiro que a vida nos entrega ao nascer. Ela mora sozinha, tem uma boa casa, um gatinho amoroso, um emprego que não gosta, mas que paga suas contas, uma família cheia de cobranças, mas que a ama, alguns amigos fiéis e uma possível paquera em andamento. Acontece que Anna não está feliz e ao explorar sua melancolia diante da vida, a história nos transporta para lugares incômodos e muito familiares.


No posfácio da HQ, os autores contam um pouco de como surgiu o projeto e descobrimos que ele partiu da seguinte frase: “Se você pudesse começar sua vida novamente, você o faria?” Logo nos primeiros frames do quadrinho, Anna, que estava sentada em um parque, avista ao longe uma pessoa conhecida, uma garota sentada em um banco e na companhia de um livro. Ao se aproximar de forma efusiva daquela moça, que em algum momento havia feito parte de sua vida, a mesma demonstra não saber quem é a Anna e interrompe seu discurso cheio de lembranças com um cartão que dizia:

A pessoa que te entregou esse cartão passou pelo procedimento de apagamento do córtex pré-frontal do cérebro e reestruturação do hipocampo para começar uma nova vida. É provável que você tenha sido apagado da memória dela, assim como muitos acontecimentos em que estiveram juntos. Por favor, respeite a vontade da portadora e evite comentários sobre o passado. Para ganhar você também uma nova vida, entre em contato e conheça nossos pacotes promocionais.
Anna fica com aquele acontecimento na cabeça e segue para sua rotina vivendo um dia após o outro. Enquanto empurra a vida com a barriga e sofre episódios de assédio moral no trabalho, onde tem um chefe que nem sabe seu nome, vamos percebendo também que Anna possui uma personalidade mais retraída e isolada. Anna vai afundando cada vez mais em um estado de desânimo, tristeza e cansaço e quando vários acontecimentos tristes a pegam de surpresa, ela entra em estado de depressão.

Eu ando me sentindo meio triste e sozinha. Sei lá o que há de errado comigo. Meu trabalho é horrível, mas ele paga as contas, e nem com meus amigos eu me sinto feliz como antes. Às vezes, eu... eu... me sinto cansada o tempo todo. Mas ao mesmo tempo, como reclamar se tem tanta gente em situação pior? Vivendo na miséria, sendo perseguido por ser diferente, vivendo em conflitos armados. É muito egoísmo da minha parte. Mas, sei lá... Estou cansada. Eu nunca conversei com ninguém sobre isso. E, aí? Você sabe o que eu posso fazer para me sentir melhor?
Basicamente, Anna vive para o trabalho e quando está em casa desfruta apenas da companhia de seu gato e de um Smart drone, que é uma espécie de robô flutuante inteligente que a ajuda com as questões burocráticas da vida e outras nem tanto. O robozinho irônico é um dos pontos altos da história, pois ele é divertido e tem umas sacadas muito boas sobre a vida. É um personagem que também ajuda a demarcar o fato de que a história se passa no futuro.



O episódio da moça que teve a memória apagada volta a ocupar a mente de Anna após ela passar por uma série de situações desagradáveis. Anna acaba se deixando dominar por uma sensação, que em algum momento da vida todos nós experimentamos - a de que nada está dando certo.

Eventualmente nós vamos nos sentir perdidos e ao trazer a questão para o centro da história, “Oblivion” se torna uma narrativa difícil de não causar uma conexão imediata com os leitores. A HQ é um relato sobre a vida adulta e as questões difíceis que certamente iremos enfrentar. Ao mesmo tempo que Fabrício Martins e Laura Jardim utilizam da personagem para ilustrar o que é se sentir no fundo do poço, também aproveitam para nos mostrar alguma possibilidade de redenção.

Quando Anna se vê diante da possibilidade de apagar todas as suas memórias com a promessa de iniciar uma nova vida, ela precisa responder à pergunta inicial: “Se você pudesse começar sua vida novamente, você o faria?”