O vírus é uma linguagem, escrito e ilustrado pelo Gilson Ribeiro, é uma HQ que utiliza da pandemia e do período de isolamento social para embarcar em diversos temas sobre a condição humana, sendo um dos focos principais a nossa relação com a comunicação. Quando nos vimos isolados pela crise sanitária, muitos dos nossos medos ficaram ainda mais evidentes e as desigualdades sociais ainda mais gritantes. Com a única opção de olhar para si e a própria realidade, o quadrinho nos coloca diante de um conto intimista e sensível, onde seu personagem demonstra na fala e nas expressões um grande espanto diante da vida.
Você há de concordar que, antes, histórias e poesia saíam aos jorros e as pessoas ouviam em roda. Depois passaram a lê-las sozinhas. Muito mais tarde já nem liam mais. Assistiam. Agora elas apenas se estilhaçam sensorialmente diante de informações fragmentadas que não geram conhecimento. Abduzidas por uma caixa de ressonância coletiva onde multidões projetam seus egos enquanto grandes corporações escaneiam seus dados pessoais. Nunca fomos tão multidão e tão solitários.
Boa parte da narrativa nos apresenta aos incômodos e reflexões de um poeta em isolamento. O autor nos presenteia com uma construção de frases e imagens que denotam tom de ansiedade e de urgência. Mesmo partindo de reflexões filosóficas que podem facilmente serem compreendidas (e nem por isso são simplórias), o fato de serem tão óbvias lhes conferem um tom de fantástico e Gilson Ribeiro aproveita esse olhar de lupa para óbvio e o banal para fazer uma provocação sobre como realizamos um esforço gigantesco para não ver e falar sobre o óbvio. Por vezes, o poeta parece desconectado da realidade, mas são nos aparentes pontos de desconexão que ele se torna mais genuíno e crível.
Em entrevistas, Gilson relata que todo o livro foi concebido em uma espécie de improviso, com cada página nascendo uma após a outra. Acredito que essa estrutura contribui para como o livro se torna uma conversa muito próxima e um processo de imersão que causa bastante identificação.
Resolvi improvisar. Não partir de nenhum roteiro pré-definido e construir uma história diretamente, página após página, num fluxo contínuo e automático.
Já em seu traço, podemos perceber diversas mensagens transmitidas através da luz e da sombra, além de referências a uma Belo Horizonte solitária. A representação do ambiente pandêmico, personagens circulando de máscara, um cenário quase sempre recluso a cômodos de uma casa, contrastam com um diálogo que quer ultrapassar paredes e alçar voos.
O autor trabalha diante da premissa de que já estávamos isolados muito antes da pandemia, em um processo que foi imposto pelo modelo de vida construído depois da internet e de uma comunicação que busca atender mais ao ego e ao mercado. “O vírus é uma linguagem” é uma HQ que demonstra que ainda que estejamos cada vez mais individualistas, as questões de nosso tempo sempre serão coletivas.
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