As chaminés tocam o céu: um conto para crianças velhas do escritor e dramaturgo francês Jean-Claude Grumberg (Todavia, 2024) é um livro curto, mas que nos traz diversos elementos para refletir sobre envelhecimento, luto, solidão, memória, afetos e os efeitos nefastos da guerra. Com um texto ágil e que por vezes soa propositalmente desconexo, o autor nos aproxima de uma senhora que está se preparando para passar o Natal sozinha e de repente se depara com o próprio Papai Noel entalado em sua chaminé. Os dois passam a travar um diálogo carregado de ironia, humor e tristeza, em um jogo narrativo onde o Natal é visto em preto e branco e as lembranças e as memórias ditarão o tom da história.
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A conversa com o Papai Noel transporta a senhora diretamente para o passado. Ela, que possui origem judia, valoriza o Natal mais pelas lembranças que tem do passado e de seu marido, passa também a relembrar fragmentos dos horrores da guerra e como os judeus passaram a ser perseguidos. Primeiro foram os insultos, depois as estrelas demarcando origem, a perseguição nas calçadas, para logo depois passarem a conhecer uma chaminé onde não tinha Papai Noel ou qualquer relação com o Natal, mas que os transportavam para o céu.
Esses nomes gravados na pedra dura e fria, entre milhões de outros, são testemunho da barbárie dos tempos, do tempo das chaminés que os cuspiram nos céus, a dois passos de Pitchik e Pitchuk. São todos esses nomes gravados em tantas pedras e muros que nos impediram, à sra. Rosenberg e a mim, de acreditar piamente no Papai Noel e na coerência.
As chaminés tocam o céu é um grande jogo da memória, onde acontecimentos do passado, do presente e prospecções para o futuro vão surgindo como se ao mero acaso, como por força da correlação, demonstrando que a realidade, que o contexto histórico dos acontecimentos sempre serão parte de um efeito borboleta.
O real e o fantástico, por sua vez, se mostram como aliados da escrita de Grumberg, que transita com bastante criatividade entre o horror e o mágico, que consegue falar de afetos, de boas lembranças, mas que também descreve a tradição dos sapatinhos aos pés dos pinheiros de Natal, fazendo relação á tenebrosa imagem de amontoados de sapatinhos de vítimas do nazismo.
Desculpe? De onde vêm essas vozes? Do passado, do presente, da memória e do esquecimento. Esquecimento do que foi e não é mais. E os que como a sra. Rosen e eu mesmo já não sabem o que fazer de sua velha pele, nos chamados dias de festa, senão percorrer as alamedas dos cemitérios, esses aí, com um pouco de sorte e muita atenção, poderão agarrar no ar cochichos de crianças que não tiveram o tempo nem a alegria de acreditar ou não no Papai Noel...
Mais para o final do livro, a narrativa faz uma transição para a vida do próprio autor, onde ele traz alguns relatos pessoais e fala sobre algumas nuances do ato de escrever e publicar um livro. A obra termina de forma muito bonita, onde Jean-Claude Grumberg transforma o texto de agradecimentos em texto literário, pois “quando uma história termina, outra deve começar”.
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