Mentiras que contamos do Philippe Besson (Astral Cultural, 2024) é um romance francês que nos conta a história de dois homens que se conhecem ainda na adolescência e iniciam um romance escondido, com data para terminar e nenhuma possibilidade de esquecimento. De forma tocante, o autor demonstra como o preconceito e a homofobia podem definir o destino das pessoas através da privação dos sentimentos e dos desejos. É um livro que prende o leitor em uma narrativa quase etérea e que ao mesmo tempo é angustiante e sensual.


A história parte do ponto em que Philippe, nosso narrador, é um homem adulto e um escritor de romances bem-sucedido. Ele está no saguão de um hotel, concedendo uma entrevista para uma jornalista sobre o lançamento de seu novo livro. De repente, sua atenção é desviada para um jovem que passa apressado, saindo do hotel. Ele então começa a chama-lo por um nome que o remete ao passado e se levanta bruscamente atrás do rapaz. Quando ele o alcança e toca seu ombro, somos transportados para o ano de 1984.

Philippe e Thomas são dois adolescentes no último ano da escola e pertencem a grupos completamente distintos. Philippe sempre sentiu uma forte atração por Thomas, que sempre chamou atenção por sua beleza, mas nunca ousou ter qualquer tipo de interação com ele, nem mesmo um cumprimento. Para além de sua beleza, algo que sempre chamou atenção para o rapaz era sua maneira mais observadora e silenciosa, mesmo quando estava cercado de seu grupo.

Até que um dia Philippe é surpreendido com uma aproximação de Thomas e um convite inusitado. Aceitando viver um “romance” às escondidas, um amor clandestino, Philippe vai se apegando ao nível de afeto que Thomas consegue dar e aos poucos vai descobrindo que a personalidade dele é moldada por “um medo de si mesmo, um medo do que ele”.

Ele me acaricia com mãos experientes, sabe o que precisa fazer. Morde meus quadris, meu peito. E geme. Ouço esse gemido que ele não conseguiu conter, que deixou escapar talvez sem perceber: isso me comove muito. Acho que já escrevi: nada me emociona mais do que esses momentos de abandono, de esquecimento de si mesmo.
A obra, principalmente na figura de Thomas, consegue nos levar a uma reflexão sobre um tipo de violência que por vezes se manifesta de maneira silenciosa e sutil, mas que possui um poder devastador sobre a construção da identidade, da subjetividade e dos afetos de um homem gay. Por conta de todo um histórico, que é afirmado todos os dias pelas convenções sociais, Thomas foi convencido de que seu afeto não pode sair dos porões.

Existe essa loucura de não podermos aparecer juntos. Loucura agravada neste caso pela situação (inédita) de nos encontrarmos no meio de uma reunião e termos que nos comportar como estranhos. Loucura de não poder demonstrar nossa felicidade. Uma palavra pobre, não é? Os outros têm esse direito e o exercem, não se privam dele. Isso os deixa ainda mais felizes, os enche de orgulho. Mas nós somos atrofiados, comprimidos, em nossa censura.
A melancolia dita o tom dessa obra, que coloca seus protagonistas em situações onde a reflexão sobre a própria identidade nos puxa para outros pensamentos sobre saúde mental, memória, sexo e sexualidade, felicidade, dor, privação, e principalmente sobre o fim e a devastação, para o bem e para o mal, do primeiro amor.