A voz da casa de Marina Colasanti e Santiago Régis (Alta Books, 2024) é um livro que nasceu de uma crônica escrita em 2017 e publicada originalmente no site oficial da Marina. A ideia de transformar a crônica em um livro ilustrado, partiu do ilustrador Santiago Régis, que após se encantar com o texto, propôs o projeto para a escritora. O texto de Marina, com as ilustrações de Santiago, nos coloca como visitas em uma casa que tem muita história para contar sobre amizade, tempo e memória.
Conheci a obra da Marina através do Santiago e rapidamente ela se tornou uma das minhas escritoras favoritas. Lá em meados de 2009, eu e Santiago tivemos a ideia de criar um blog para agregar fotos, vídeos, biografia, entrevistas e a obra da Marina em um só local, uma vez que ela não tinha um site. Fizemos isso como uma “coisa de fã” e um dia recebemos um e-mail da própria agradecendo a criação do blog e dizendo que nós fizemos algo que ela nunca faria, pois não levava jeito nenhum com as redes.
Começamos a trocar e-mails regulares com a Marina, tivemos vários encontros em eventos literários, o blog virou site e ela passou a enviar toda semana uma crônica inédita para o site, que também ganhou um perfil no Instagram. O bonito é que a Marina sempre disse que as crônicas eram um presente pra gente. O blog se tornou um site oficial, que cuidamos até hoje.
O livro "A voz da casa" é a realização de um sonho. O Santiago sempre quis ilustrar uma obra da Marina e quando ele propôs que a crônica se tornasse um livro ilustrado, Marina deu total liberdade de criação para que ele fizesse o livro do jeito que sonhara. Sinto um orgulho imenso em ver Marina e Santiago creditados em uma mesma obra, que também celebra a beleza dos encontros que a literatura proporciona.
Na narrativa de “A voz da casa” estamos diante de uma narradora que olha para uma casa com olhos saudosos e dotado de memórias. O leitor se vê diante de um sentimento que é muito comum quando nos deparamos com aquelas casas que capturam nossos olhos por desafiarem o tempo e que através de suas características e até mesmo de seu estado de conservação, nos conta uma história de forma silenciosa e com a sua própria voz, a voz da casa.
A noite, no quarto que conserva sobre os móveis a coleção de objetos miúdos, limpos e arrumados como no passado, a casa falou si. Na parede atrás da cama corre funda rachadura. A construção sólida, de tijolos deitados, concebida pelo patriarca para proteger a família e sua descendência ao longo de várias gerações, resistiu como pode à gravíssima inundação que atingiu a cidade há alguns anos. Mas teve que ceder, e guarda até hoje a ferida. Passei os dedos em carícia nas beiras do corte. Depois deitei, e adormeci embalada pela voz da casa.
Com seu texto poético e certeiro, Marina convoca fissuras, rachaduras, manchas, cheiros e até mesmo os móveis da casa a contarem uma história. Uma mesa, uma cadeira ou até mesmo o cômodo de uma causa pode servir como um catalisador das nossas memórias mais profundas e que podem vir à tona como que carregados por um vento que nunca esquece nada. A voz da casa fala sobre o que passou, o que está em curso e também sobre o que há de vir.
As ilustrações de Santiago Régis captam a essência do texto ao firmarem cada cômodo e cada móvel como um personagem. Uma janela não é apenas uma janela, uma cadeira não é apenas uma cadeira e um armário de louças aparece impositivo, como que sacramentando seu lugar de senhorio, de objeto pertencente a um mesmo lugar por muito tempo.
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