Uma ovelha negra no poder: confissões e intimidades de Pepe Mujica (Bertrand Brasil, 2015) é um livro que reúne depoimentos de José Alberto Mujica Cordano, ex-presidente do Uruguai e maior liderança política do país. Foram todos coletados em conversas e entrevistas que ele concedeu nos últimos anos e que perpassam seu passado e os anos de presidência. Por se tratar de Pepe Mujica, é claro que o tom da conversa que a obra propõe soa completamente informal, sendo que sua própria forma falar, de viver e até de ocupar o maior cargo de poder de seu país, sempre caminhou junto com o diferente, com a informalidade.


Falar sobre a informalidade de Mujica, não é o mesmo que dizer que ele é um líder político leviano ou inconsequente, muito pelo contrário. Mujica chegou ao poder pela força de sua luta, de seus ideais e pela identificação do povo com sua personalidade, suas propostas de cunho social. Falar sobre a informalidade de Mujica, também não é o mesmo que falar sobre falta de conhecimento ou de preparo técnico para ser o presidente de um país, pois foi exatamente a sua busca por referências e o entendimento do contexto histórico e político latino-americano que o transformou no líder que é hoje.

O humanismo mais profundo vem pelo caminho da ciência. Em última instância, a filosofia é irmã da matemática e sem filosofia e sem ciência não há humanidade. Quando era jovem, eu não dava muita bola para a matemática, mas era fascinado pela biologia e a filosofia. Há alguns anos comecei a estudar geometria, e é uma coisa incrível. A outra é a estatística. Tive que aprendê-la de novo há poucos anos porque senão lhe acontecem coisas e você não entende um caralho. Me arrependo de não ter dado bola à matemática quando era jovem. O problema é que é ensinada por muitos idiotas e isso não ajuda um caralho. Matemática é voltar ao antigo, e aí está a fonte da sabedoria. Quantos matemáticos fizeram descobertas no quadro-negro e depois passaram quarenta anos para comprová-las?
A história política de Pepe Mujica é impressionante. Desde muito novo, ele se comprometeu com uma luta que tinha a redução da pobreza e a manutenção da democracia como foco. Começou a militar no Partido Nacional, foi Secretário da Juventude da agremiação, criou um grupo chamado União Nacional e também integrou o Movimento de Libertação Nacional Tupamaros. Foi preso quatro vezes e conseguiu fugir duas. Mujica passou um total de quase quinze anos preso, sendo solto após uma anistia decretada em 1985. A partir daí, em um Uruguai pós ditadura, foi deputado, senador, ministro da agricultura e então presidente da República.

Nas discussões que aparecem ao longo do livro, Mujica fala sobre suas próprias contradições e dubiedades, sendo uma delas o fato dele próprio ser um anarquista no poder, “um presidente que vive o poder com certa culpa” e subverte a própria ideia de anarquismo, na qual a sociedade existe de forma independente e antagônica ao poder exercido pelo Estado.Neste ponto, Mujica faz uma reflexão interessante ao dizer que “o problema está na humanidade na qual me coube viver, que não me permite viver sem o Estado...É uma expressão de nossas carências, embora 90% da história da humanidade tenha sido vivida sem o Estado.

O anarquismo respeita seriamente a liberdade. Por isso, entre todas as ideologias, é a que mais me interessa. Mas a liberdade humana não quer dizer ausência de responsabilidade nem ausência de limites. O limite é não foder o próximo. E se você se mata de trabalhar sem explorar o outro e consegue mais coisas, tenho que aplaudi-lo. Não se pode pensar em um igualitarismo construído a qualquer preço. Isso não existe. Igualar para baixo é uma estupidez e não leva a nada de positivo. É possível que isso seja a coisa mais injusta.


O jeito simples de Mujica e sua aversão aos protocolos, que chamou atenção internacional, tem uma base que vêm de suas próprias convicções e de seu jeito de estar no mundo. Em suas falas e também em suas ações podemos perceber o quanto esse desprendimento é uma faceta legítima de sua personalidade. Por outro lado, o mesmo assume que com o tempo compreendeu que “ser diferente” também poderia ser o seu posicionamento político e uma forma de se distanciar daquilo que é visto como “ser político”.

Às vezes se produz um apartheid entre a sociedade e os governantes. A forma de viver parece uma besteira, mas não é. Por aí também vem o descrédito dos políticos. As pessoas acham que aqueles que chegam a ser presidentes são sempre iguais, e acaba havendo uma descrença brutal na política.
“Uma ovelha negra no poder” é um livro gostoso de ler, pois analisa o jogo político pelo olhar de alguém que quer tornar a política crível e acessível. Andrés Danza e Ernesto Tulbovitz conseguiram trazer para o texto um tipo de aproximação da rotina de um presidente, que acredito estar próxima daquilo que Mujica almejou para si enquanto esteve no poder, sendo que sempre foi um líder que não fazia questão de ser chamado de presidente, que não usava gravata, que cortou as principais “gorduras” de gastos do governo, escancarando algumas futilidades e levando o jogo político para outro nível.