Gael e a Terra dos Vivos do Matheus Peleteiro (Planeta do Brasil, 2024) é um elogio à infância e à imaginação. O autor se inspira e busca referências em histórias infantis clássicas, para nos presentear com uma história muito próxima de nós. Nosso herói é uma criança de apenas nove anos, baiana e em processo de descoberta do mundo. Quando se vê órfão e com a sensação de estar sozinho no mundo, Gael acaba, misteriosamente, indo parar na Terra dos Vivos, um lugar mágico onde ele viverá a experiência de aprender a viver.


Ora, qualquer um pode respirar, andar, enxergar, beber água, comprar uma roupa, obedecer às regras, ter um trabalho, ter filhotes e tudo mais. No entanto, somente alguns podem passar por tudo isso vivendo de verdade. Grande parte dos seres humanos olham e não enxergam nada diferente do superficial, do evidente; ouvem canções e ideias novas, mas não as escutam, recusam-se a interpretá-las; acordam torcendo para que o dia termine. Como isso poderia ser o mesmo que viver?
Caminhando por essa terra, ao lado de animais falantes como o Palhaço-Preguiça, Pintada: ao onça-espirituosa, Tupã: o príncipe Mico-Leão-Dourado, a Gambá-Pessimista e outras figuras que nos remete à fauna brasileira, Gael irá experimentar uma outra maneira de olhar para a vida e para o óbvio.

Matheus Peleteiro criou diálogos geniais e que são verdadeiras análises filosóficas sobre ser e estar no mundo. Através da literatura fantástica e ao fazer um contraponto entre “a terra dos homens” e “a terra dos vivos”, a história nos faz refletir sobre questões importantes como felicidade, dignidade, amor, identidade, responsabilidade, diversidade, entre outros temas que estão ligados ao que envolve a vida em sociedade.

“Gael e Terra dos vivos” não é um livro piegas, é uma obra que abraça o fantástico e o poético sem subestimar a inteligência das crianças. Quando falamos sobre literatura para as infâncias, é muito comum deparamos com uma ideia reducionista do que pode ser dito e lido pelas crianças. Essa é uma ideia que limita o poder subjetivo e formador que a leitura possui, sendo que a literatura é uma grande oportunidade de apreensão do mundo. Nas primeiras palavras da obra, Matheus já mostra a que veio e para onde vamos ao embarcar no mundo de Gael:

Nem todas as crianças são felizes, é verdade, mas todas elas sonham, e, graças a esses sonhos, é impossível que sejam completamente tristes. Às vezes, choram por quererem um pirulito, um brinquedo novo ou um picolé. Porém, sempre se esquecem, em poucos minutos, da insatisfação de não ganharem.
O autor exalta a infância e toda a magia que faz parte dessa fase, através da inerente curiosidade sobre as coisas e a capacidade de embarcar no lúdico, mas não ignora a triste realidade de que as crianças também são expostas a diversos tipos de violências.

Na Terra dos Vivos, a curiosidade das crianças é celebrada e os animais se sentem exaltados ao responder cada um dos questionamentos. E se tem algo que esse livro deixa para os leitores são perguntas e provocações que ficam reverberando. 

É preciso ser de verdade? Precisamos saber se algo é de verdade ou de mentira? São as raízes que possuem os homens e não os homens que possuem raízes? É preciso comparar sujeitos para valorizar alguém? O que se deve fazer para viver um dia de cada vez, e não todos ao mesmo tempo?

“Gael e a Terra dos Vivos é um verdadeiro livro de filosofia para crianças e para todos aqueles que desejam se lembrar (ou descobrir) como é viver com um pouco mais de fantasia e liberdade. É um livro que utiliza da força da fantasia e da fábula para nos lembrar da importância de sermos “obstinados e vivos”.