A contradição humana do Afonso Cruz (Editora Peirópolis, 2014) é um livro infantojuvenil genial. Ele pega treze situações inusitadas do dia a dia, que são facilmente explicadas pela ciência ou pela filosofia, mas que aos olhos das crianças se tornam verdadeiros mistérios e transforma em um texto engraçado e inteligente. O projeto gráfico e as ilustrações apostam em um vermelho vibrante, misturado com branco e preto. O texto interage com as ilustrações, que também são do Afonso Cruz e contribuem com a viagem alucinante que é este livro. A obra foi vencedora do Prêmio SPA/RTP para melhor livro de literatura infantojuvenil de 2011 e selecionado para a exposição White Ravens (2011).


Os personagens são impagáveis e divertidos. São construídos através de características comuns e ao mesmo tempo absurdas, mas que, aos olhos dos adultos já deixaram de ser fantásticas a algum tempo. A obra é um livro sobre as contradições da vida, sobre coisas que causam espanto ou incredulidade e que vamos naturalizando ao longo da vida. Ao escrever como se fosse uma criança, o autor se reconecta com esse espanto diante das coisas “inexplicáveis” da vida, como aquela famosa fase dos “porquês” que a maioria das crianças passam.

Temos a tia que ama pássaros, mas os prende em gaiolas. O vizinho músico que só toca canções tristes e fica feliz com isso. A moça que “possui mais amigos no mundo” e ao mesmo tempo se sente sozinha. A mulher que passa a vida na academia, se gaba de ter as coxas firmes, mas é incapaz de subir uns lances de escadas.


Brincando com as palavras, com situações familiares do nosso cotidiano e muita ironia, Afonso Cruz traz para o universo infantil algumas reflexões filosóficas em relação a contradição humana. O interessante de seu texto é elas, vista por olhos adultos, se torna apenas contradições propriamente ditas, que ganham um caráter explicado pela máxima “as coisas são como são”. Analisadas pelos olhos das crianças, as contradições viram mistério, curiosidade e ingrediente para fabulação.