Um esqueleto no armário de André Rubião (O Autor, 2001) é um romance de geração onde acompanhamos a história de H, um homem que vive intensamente sua juventude e que conhece de perto as dores e os prazeres das drogas. André Rubião consegue nos tornar íntimos de H ao nos levar até a São João Del Rey da década de 20 para nos mostrar as origens do personagem. As décadas vão passando e aos poucos o livro se torna também a história de uma Belo Horizonte se modernizando e experimentando a efervescência de diversos movimentos culturais que foram importantes para formação identitária da cidade.


É como se H e Belo Horizonte fossem dois amigos em processo de descobertas. Enquanto H lida com muitas das emoções e frustrações comuns da adolescência e começo da vida adulta, como a vontade de fazer parte de algo ou de um grupo, Belo Horizonte se vê como palco de várias transformações sociais e culturais que se tornaram marco de um tempo. A cidade e a juventude quase que se tornam uma coisa só, principalmente no que se trata de um flerte com a marginalidade em tudo aquilo que essa palavra representa de problemático, como de libertador e vanguardista.

Joana e os quatro filhos desembarcaram na Praça da Estação. Corriam meados de 40 na capital mineira: aquele era o tempo do bonde subindo pelas avenidas arborizadas, do glamour no Automóvel Clube e dos passeios no Parque Municipal; tempo do footing na Praça da Liberdade, onde as mulheres ficavam desfilando de saia godê e chapéu, enquanto os rapazes, de terno e gravata, permaneciam parados, fumando, conversando fiado; tempo da boemia e dos “encontros marcados”: escritores se reunindo na Rua da Bahia, embriagando-se de vida e brincando de ser famosos; tempo de terno branco e Hilda Furacão, quando as moças ainda casavam virgens e os rapazes se aliviavam na Rua Guaicurus.
Belo Horizonte passeia de forma convincente pela obra. O autor localiza seus personagens e acontecimento em lugares muito simbólicos para os mineiros e mesmo aqueles que por ventura não conheçam a cidade, conseguem perceber a importância dessa demarcação para a história. São citados lugares que ainda existem e outros que ficaram no imaginário da cidade, como a sorveteria Elite, a missa dançante do Minas Tênis Clube, o Cine Brasil e o Bar do Lulu.


O livro é construído de vozes em primeira e terceira pessoa. Com essa escolha narrativa, alguns personagens acabam tendo a oportunidade de mostrarem mais de si e temos uma visão mais abrangente sobre alguns fatos e algumas motivações. Os trechos em primeira pessoa funcionam quase como um diário de tão intimistas e reveladores que são.

A expressão idiomática “esqueleto no armário” pode ser lida aqui como uma metáfora para o lado inconsequente da personalidade de H. O esqueleto no armário tanto pode ser a representação de um segredo, de algo que deve ser escondido, como um alerta de perigo e nessa segunda representação podemos ver uma imagem se formando, como um quebra-cabeças, onde os ossos vão se tornando visíveis a cada vez que H fica mais próximo do perigo.

Conforme os anos vão passando e o personagem vai escalando na frequência e diversidade de drogas utilizadas seus ossos vão sendo apresentados ao leitor como um alerta do que está por vir. No fim de alguns capítulos André Rubião utiliza dessa metáfora de forma genial e até mesmo poética: “Jack me perguntou se eu queria a parte azul ou a amarela. Tomei logo as duas e abri um sorriso tão forte que fiquei conhecendo a minha MANDÍBULA.”

André Rubião não apresenta uma história sobre abuso de drogas de forma aleatória. As drogas aparecem como uma estratégia para revelar questões que representam uma geração onde a opressão era ainda mais pungente. Os anos 60 e 70, onde grande parte da história se desenrola, tem como pano de fundo um Brasil em estado de convulsão social.

Às vezes parecia degradante, confuso, desvairado, inconsequente... Mas estava tudo ligado à ideia de rebeldia e liberdade. Com a ditadura e a repressão, aquele era o nosso terrorismo urbano: usar roupas exóticas, tocar violão, ter cabelo comprido, fazer sexo, usar drogas... Tudo fazia sentido, tudo tinha um ideal. Nós mal pensávamos no resultado, na consequência. Apenas vivíamos uma belle époque: descobrindo, experimentando, sorrindo, inovando, cantando, brilhando como estrelas.