Amêndoas da Won-pyung Sohn (Editora Rocco, 2023) é um romance coreano que nos conta a história do jovem Yunjae, que nasceu com uma condição neurológica chamada alexitimia. Ele possui dificuldade de reconhecer e expressar emoções, o que impacta diretamente em suas relações com as pessoas. Sua mãe e sua avó, únicos parentes próximos, criaram um ambiente favorável para preparar o garoto para os desafios de sua condição e quando uma tragédia estremece a realidade da pequena família, Yunjae se vê diante de um mundo que se organiza pelas emoções e que não lida nada bem com as diferenças.


Nas primeiras páginas, já ficamos sabendo a natureza da tragédia que irá assolar a vida de Yunjae. A escritora Won-pyung Sohn não poupa os leitores da informação de que o garoto terá que lidar sozinho com um mundo que ele não sabe ler. Na falta de sua mãe e sua avó, que espalhavam palavras e imagens pelas paredes da casa, afim de alertá-lo quando reagir a essa ou aquela emoção, Yunjae terá que estudar as emoções das pessoas e do mundo por conta própria.
Não importa o quanto as pessoas me repreendessem com seus olhares irritadiços, não funcionava. Gritar, berrar, levantar as sobrancelhas... eu não conseguia entender que todas essas coisas queriam dizer algo específico, que havia um significado por trás de cada ação. Eu só levava as coisas no sentido literal.
Entre outros motivos, a alexitimia pode ocorrer quando as amídalas possuem um tamanho menor que o convencional. No livro a escritora faz uma relação direta das amídalas com as amêndoas, inclusive pelo fato de que “amídalas” é um termo derivado da palavra em latim para amêndoa, representação que também aparece na crença de que a o trato das emoções possa ser melhorado através de treino. A mãe e a avó de Yunjae apostavam suas fichas nessa ideia e acreditavam que comer bastante amêndoas poderia gerar algum resultado.
Mas, por algum motivo, minhas amêndoas não parecem funcionar direito. Não se iluminam quando estimuladas. Então não sei por que as pessoas riem ou choram. Alegria, tristeza, amor, medo – todas essas coisas são ideias vagas para mim. As palavras ‘emoção’ e ‘empatia’ são apenas letras sem sentido impressas em papel.


A mãe de Yunjae trabalhava administrando um sebo/livraria e o universo dos livros possui um caráter muito importante para a obra. As letras, além de serem como sinais de trânsito para que Yunjae estabeleça sentido às emoções, também são os momentos onde a família experimenta um mundo para além da casa simples e do sebo. Em certo trecho da narrativa o garoto define de forma poética a dedicação de sua mãe ao dizer que ela era como uma dramaturga que nunca se cansava de usar a imaginação para inventar cenários diferentes.

Livros me levavam a lugares a que nunca poderia ir de outra maneira. Compartilhavam confissões de pessoas que eu nunca conheceria e vidas que jamais presenciaria. As emoções que não conseguia sentir e as experiências pelas quais não passara podiam ser todas encontradas naqueles volumes.

A narrativa de “Amêndoas” é toda construída em capítulos curtos e que vão direto ao ponto. Os acontecimentos vão se sucedendo sem dar tempo para respiro, pois tudo que queremos saber é como Yunjae dará sentido a cada um dos episódios que passam por ele. Algumas passagens são poéticas por toda a beleza do que está sendo contado, enquanto outras consegue extrair beleza até mesmo da violência. Uma violência que serve como experimentação para a mente de Yunjae e no fim das contas a história consegue nos mostrar que a melhor forma de treinar as amêndoas é no encontro com os outros.